O desenvolvimento de novas tecnologias tem ganhado cada vez mais espaço na sociedade de forma geral e impactado os mais diversos setores da economia brasileira. A área do Direito – que tem passado por significativas transformações – é um dos exemplos de como a criação de ferramentas e recursos inovadores têm revolucionado o segmento. Prova disso é o surgimento de conceitos como Legal Design, Design Thinking e Visual Law.
Embora à primeira vista essas metodologias sugiram uma mudança radical da advocacia, vale ressaltar que a instituição do design enquanto organização do trabalho jurídico visa possibilitar uma nova forma de se comunicar. Ou seja, o Direito em si não mudará; apenas a maneira como os serviços jurídicos são prestados e transmitidos.
Ao longo dos últimos anos, algumas mudanças já foram implementadas para modernizar e otimizar procedimentos internos dos escritórios de advocacia. Isso pode ser observado na adoção de automação de processos, como acontece no caso da digitalização de documentos jurídicos, e também no uso de tecnologias como aliadas na implantação de inteligência artificial, como a utilização de chatbots – sistema que simula o atendimento humano e é capaz de auxiliar em demandas mais simples, como responder perguntas de usuários.
Dessa forma, o emprego da tecnologia e o investimento em ambientes digitais têm como finalidade potencializar os procedimentos jurídicos e já são praticados por diversas bancas no mercado. Mas é importante destacar que a advocacia tem a chance de se reinventar por meio de outras metodologias, uma vez que a inovação não necessariamente pressupõe a utilização de recursos tecnológicos. E é justamente nesse momento que o Legal Design e o Visual Law surgem como diferenciais para os escritórios.
Entendendo o Legal Design
A tradição do Direito carrega complexidade na maneira como foi concebida e é executada e transmitida. A utilização de linguagem técnica em textos longos é uma das características marcantes na forma como advogados se comunicam. Para se ter ideia, ainda hoje é possível encontrar disciplinas como “Introdução ao Latim” na grade curricular das universidades.
A ideia de integrar o design ao Direito parte da premissa de que é importante que as bancas possam acompanhar a evolução do mercado e aprimorar a forma como divulgam a prática de seus serviços. Nesse sentido, tanto o Legal Design como o Visual Law são grandes tendências para aproximar as pessoas da advocacia e simplificar a comunicação.
Isso não significa, contudo, que os termos técnicos deverão ser abolidos. Ao contrário, o que as metodologias se propõem a fazer é tornar a linguagem mais
acessível, de modo que dialoguem com os diferentes públicos com os quais as bancas e advogados se comunicam, sobretudo com pessoas que não fazem parte do universo jurídico.
Dessa forma, muito mais do que a criação de peças bonitas, visualmente atraentes e da estética em si, ao falarmos de Legal Design estamos assumindo o design como uma ferramenta para a resolução de problemas, capaz de transformar a comunicação no mundo jurídico. Obviamente, construir modelos mais atrativos de petição, contratos, propostas comerciais, entre outros documentos, faz parte da metodologia, no entanto, o Legal Design não é apenas o design aplicado ao Direito.
De acordo com o livro “Legal Design Visual Law: Comunicação entre o universo do Direito e os demais setores da sociedade”, de Alexandre Zavaglia e Ana Paula Holtz, o Legal Design estuda:
- Os processos organizacionais, tanto no setor público como privado, assim como redesenha os serviços jurídicos;
- Como entregar as informações jurídicas de acordo com o entendimento e as necessidades de cada problema e dos destinatários de cada serviço ou atividade (Visual Law);
- O acesso à justiça em seu sentido mais amplo, não só como acesso ao sistema judicial, mas, principalmente, sobre como garantir a tutela e o acesso aos direitos envolvidos;
- A formação dos novos juristas e a prática e educação permanente dos profissionais que já estão no mercado para essas novas habilidades e competências;
- Prototipagem, testes e entrega: design de procedimentos internos, de novos serviços jurídicos, de organizações e departamentos, para o uso e/ou desenvolvimento de softwares adequados a cada projeto, entre outras atividades, para prevenir e solucionar o problema com foco no destinatário/usuário.
Ou seja, trata-se de uma metodologia macro que pode ser complementada com outras técnicas em cada uma das suas etapas, como Agile, Scrum e o Design Thinking – método que está muito mais associado a projetos mais rápidos, como a elaboração de Canvas (Business Model Canvas).
Para facilitar a compreensão, o Legal Design pode ser dividido em:
- Mindset: o entendimento de que o design deve ser internalizado como um organizador do trabalho jurídico, consiste na ideia de trazer inovação, com o uso de tecnologias ou não, às soluções propostas;
- Processo: a partir da identificação de um problema ou de uma oportunidade é preciso traçar um plano de ação que contemple: ideia > elaboração > protótipo > aplicação;
- Material: momento em que o design enquanto elemento visual ganhará força para ser construído e apresentado. É nessa fase, inclusive, em que o Visual Law contribuirá para o processo.
Vale ressaltar que em todas as etapas é fundamental que os escritórios contem com a participação dos advogados na execução de estratégias, considerando que o processo vai muito além da contratação de designers ou parceiros para o desenvolvimento dos materiais. São os profissionais do Direito os responsáveis por definir o destinatário das ações e por atuar para que elas sejam desenvolvidas de acordo com a necessidade de cada projeto.
O papel do Visual Law
Ao abordar os conceitos de design no Direito o que se vê é uma série de dúvidas em relação a cada um dos termos. Legal Design e Visual Law não são sinônimos, mas metodologias que se complementam dentro de uma estratégia.
O Visual Law pode ser entendido como uma subárea do Legal Design, sendo a sua fase final. Se de um lado o Legal Design visa transformar os procedimentos dentro dos escritórios, mudar o mindset e propor inovação nas soluções apresentadas, o Visual Law é o recurso que materializará todo esse processo e impactará, diretamente, na transformação da comunicação das bancas.
De acordo com a Thermopylae Sciences + Technology, cerca de 90% da informação processada pelo cérebro é visual e o processamento de imagens ocorre 60 mil vezes mais rápido do que o texto. No ambiente jurídico, o texto, indiscutivelmente, continuará sendo usado como principal forma de comunicação. Mas isso não impede a criação ou adição de outros recursos como fotos, vídeos, infográficos, entre outros formatos, nos materiais desenvolvidos.
Isso porque a falta de elementos visuais e layouts mais elaborados e estruturados pode desencorajar a leitura por parte usuário. Nesse sentido, vale destacar, também, que o acesso das pessoas é feito majoritariamente por meio de dispositivos móveis, os quais possuem telas menores. Ter esse entendimento é fundamental na hora de desenvolver o conteúdo. Textos muito grandes e, sobretudo, com linguagem mais rebuscada e complexa, que não utilizam recursos visuais, podem se tornar pouco atrativos. Em contrapartida, o excesso pode levar ao mesmo resultado negativo. E é justamente isso que a metodologia do Visual Law busca combater.
Para exemplificar, recentemente, houve um boom na utilização de QR Code, e advogados passaram a usar o recurso em diversas peças que não necessariamente pediam sua utilização. Em uma petição, fazer uso exacerbado dessa ferramenta pode ter o efeito contrário. Se um juiz receber o documento repleto de QR Codes, ele provavelmente não lerá e, dessa forma, a comunicação perderá o propósito.
Com isso, a combinação do Legal Design e Visual Law possibilita entregas mais efetivas por não se tratar apenas de deixar uma petição ou um contrato com uma estética mais agradável. A solução oferecida pelas metodologias vai muito mais fundo e reflete o entendimento do escritório acerca de suas demandas, sua relação com os destinatários e o poder de se comunicar com maior assertividade.
Entre as possibilidades de materiais a serem desenvolvidos, estão:
- Apresentação Institucional;
- Proposta Comercial;
- Petições;
- Cases;
- Contratos;
- Manuais;
- Relatórios;
- Políticas Internas;
- Políticas de Termos de Uso, entre outros.
Já em relação aos elementos visuais que podem causar maior impacto nos trabalhos desenvolvidos, assim como na estratégia de marketing jurídico, é indispensável usar ferramentas como:
Cases de Sucesso: Mercado Livre e Amil
No livro publicado, os autores Alexandre Zavaglia e Ana Paula Holtz descrevem alguns casos de sucesso de empresas que adotaram o Legal Design e Visual Law para solucionar problemas jurídicos.
Um deles aborda o case do Mercado Livre, uma das principais plataformas de e-commerce do Brasil. Ao observar dados de demandas processuais, a companhia identificou que praticamente 40% dos usuários que deram entrada em ações judiciais não tinham sequer entrado em contato com a empresa para tentar solucionar suas demandas antes de ajuizar o processo.
A partir dessa análise, o Mercado Livre elaborou uma estratégia que consistia na criação de campanhas de vídeos e peças gráficas para levar os consumidores ao portal consumidor.gov – com o objetivo de reduzir os problemas com os reclamantes e, com isso, solucionar a questão dos processos.
Segundo dados da própria instituição, a plataforma atraiu 30 mil pessoas e apenas 1% das demandas viraram, de fato, processos judiciais. Ou seja, a aplicação do design enquanto estratégia e a utilização de técnicas como Visual Law resultaram em um projeto com 99% de taxa de desjudicialização.
Outro case indicado no livro mostra como a Amil mudou a linguagem visual de suas petições ao utilizar textos, imagens e infográficos para demonstrar a análise de dados e determinar a ampliação da base de acordo até chegar às teses que deveriam ser debatidas. Com o uso de um QR Code, a empresa apresentou cartilhas com informações importantes sobre a demanda e o posicionamento dos órgãos reguladores.
Com a modernização do documento, além do impacto visual de uma apresentação mais bonita, a entrega focou nos diferentes tipos de dados que deveriam ser apresentados, de modo que todos tivessem os necessários destaques, cada um à sua maneira.
A origem do Legal Design e Visual Law
Embora a utilização do design como estratégia no Direito tenha ganhado espaço mais recentemente no mercado, tanto o Visual Law como o Legal Design são conceitos explorados há mais de uma década. Diversas universidades ao redor do mundo, como Stanford, Cornell e Yale, já atuam com projetos nessa área.
Margaret Hagan, uma das maiores especialistas na pesquisa e aplicação de técnicas de design na área do Direito e diretora do Legal Design School da Universidade de Stanford – um dos laboratórios mais relevantes do mundo –, define:
“O Legal Design é a aplicação do design centrado ao homem no mundo do Direito, para tornar sistemas e serviços jurídicos mais centrados no ser humano, utilizáveis e satisfatórios. O Design oferece métodos e prioridades para transformar o setor jurídico e obter resultados legais mais alinhados com os desejados pelos usuários e criar visões ambiciosas sobre como serviços jurídicos podem ser fornecidos. Uma abordagem de design para serviços jurídicos coloca as pessoas e seus contextos como foco, questiona como seu status quo poderia ser melhorado e, em seguida, considera o potencial da tecnologia como uma intervenção.”
Com isso, diante da relevância do tema e o potencial para trazer mais valor às entregas realizadas pelos escritórios de advocacia, o Legal Design e o Visual Law se consolidam, cada vez mais, como uma das maiores tendências para o mercado jurídico.
Para saber mais sobre os rankings jurídicos, ouça os episódios do Juridcast, podcast da Agência Javali:
Legal Design e Visual Law: o que você precisa saber; com a participação de Alexandre Zavaglia, um dos pioneiros no tema no Brasil