O conceito de Metaverso foi cunhado por Neal Stephenson na década de 1990 em sua obra de ficção intitulada Snow Crash. Contudo, foi somente no último ano, com a mudança de nome do Facebook para Meta, que o termo ganhou notoriedade. Desde então, a popularidade do Metaverso tem chamado a atenção não apenas das Big Techs, mas também dos mais diversos segmentos da economia mundial por se mostrar uma grande oportunidade. Para se ter ideia, de acordo com a Bloomberg Intelligence, o mercado do Metaverso pode atingir US$ 800 bilhões – o equivalente a R$ 4,5 trilhões – até 2024.
Apesar de sua notabilidade e do cenário promissor, o conceito do Metaverso ainda tem gerado dúvidas. Para compreendê-lo, basta olhar para o Metaverso como um ambiente virtual no qual as pessoas poderão trabalhar, desenvolver negócios, desempenhar atividades de lazer, entre outros, a partir do uso de avatares em 3D.
Para isso, este universo contará com inteligência artificial e fará a integração entre os ambientes virtual e real, apostando em diversas tecnologias. Nesse sentido, os principais recursos tecnológicos que devem estar presentes no Metaverso são a realidade virtual, ambiente em 3D; realidade aumentada, como a tecnologia que possibilitará unir aspectos físicos e virtuais; e blockchain, criptomoedas e NFTs, modalidades que buscam viabilizar transações financeiras virtuais.
Na prática, as pessoas utilizarão óculos de realidade virtual equipados com sensores para entrar em locais online que contarão com realidade aumentada, elementos holográficos 3D e espaços fictícios para poder interagir de maneira imersiva.
O Metaverso no mercado jurídico e o impacto às áreas
Em função de seu alto potencial e de suas inúmeras possibilidades, o Metaverso tem atraído, também, o interesse de escritórios de advocacia no Brasil. Segundo Fabio Cendão, sócio do Faria, Cendão & Maia Advogados, uma das razões para isso acontecer é que, além do mercado estar bem-aquecido e com oportunidades, essas novas tecnologias e modelos de negócios sempre trazem novos desafios jurídicos, o que demanda criatividade e apoio técnico-jurídico para a estruturação desses projetos.
“Além disso, o próprio conceito de Metaverso tem levantado algumas questões jurídicas interessantes, por trazer uma mistura do real com o virtual e levantar dilemas ainda não enfrentados”, afirma Cendão.
Dessa forma, é natural esperar que questões jurídicas, das mais variadas naturezas, comecem a surgir, fazendo com que as companhias se sintam pressionadas a enfrentá-las. Para Tatiana Campello, sócia do Demarest Advogados, os profissionais que entenderem este novo mundo e os seus desdobramentos poderão apresentar vantagens competitivas.
“Os advogados, em especial os que lidam com tecnologia, precisam entender e discutir tais questões visando, assim, atender os seus clientes da melhor forma possível. Sai na frente quem consegue se antecipar a essas demandas”, explica Campello.
Nesse sentido, também se espera que o Metaverso traga impactos a todas as áreas do Direito, afetando-as de uma forma ou de outra. “Na minha opinião, as áreas que lidam com tecnologia, propriedade intelectual, inteligência artificial, privacidade, consumidor, tributário, aspectos financeiros e Direitos da Personalidade são as primeiras a serem afetada”, declara Campello.
Isso porque o Metaverso trará diversos desafios legais, especialmente por causa de seu caráter descentralizado e virtual. Os questionamentos acerca das diferentes jurisdições e regulações (ou falta delas) envolvidas podem se tornar de complexa análise e aplicabilidade.
Campello explica que como as marcas serão protegidas e utilizadas e como se evitar e combater a pirataria são alguns dos temas que dizem respeito à propriedade intelectual dentro do ambiente do Metaverso e exemplos de possíveis análises.
Bruno Feigelson, sócio do Lima ≡ Feigelson Advogados, afirma que, de imediato, ao pensar no Metaverso no Direito, a área de propriedade intelectual é, sem dúvidas, uma das primeiras que vêm à cabeça, justamente por estar na vanguarda da inovação. Contudo, Feigelson reforça a ideia de que muitas serão as áreas impactadas. “Já vimos casos de assédio sexual dentro do Metaverso, o que levanta questões criminais e trabalhistas. Outro exemplo é o imobiliário, que é muito forte em função da aquisição de terrenos dentro deste universo”, completa.
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Regulamentação do Metaverso
Comumente, os avanços tecnológicos também demandam transformações legislativas e regulatórias. O Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) são exemplos de ações adotadas para regulamentar os espaços digitais.
Em relação ao Metaverso, os maiores obstáculos consistem na existência de leis muito antigas para lidar com questões bastante novas, como é o exemplo da CLT aplicada às novas relações de trabalho, ou então regulações emitidas em caráter de urgência e que não esperam a maturação do debate público sobre o tema, como é o caso das obrigações tributárias para operações de criptoativos.
“Nesse ponto, entendo que o processo de regulação deve respeitar o desenvolvimento tecnológico e a opinião técnica, levando em consideração suas externalidades negativas e sua aplicação prática, de forma a trazer as bases regulatórias necessárias para cada caso”, defende Cendão.
Para Campello, os desafios são os inerentes ao desenvolvimento de tecnologias adequadas que possam absorver o Metaverso, além das questões práticas e jurídicas que vão aparecer cada vez mais. “Deve-se observar as legislações atuais sobre matérias diversas, como a Lei da Propriedade Industrial, Lei de Direitos Autorais, Código do Consumidor, Lei Geral de Proteção de dados Pessoais, entre outras, não esquecendo que uma das grandes questões é como compatibilizar direitos e obrigações com legislações distintas e em multijurisdições”, afirma.
Os escritórios no Metaverso
No Brasil, algumas bancas jurídicas já têm contratado desenvolvedores para criar versões de seus escritórios no Metaverso, simulando a realidade. Nestes espaços, os escritórios buscam receber clientes e parceiros, realizar reuniões privativas e eventos com a experiência 3D.
Cendão conta que o escritório já fez diversos movimentos e já ingressou em plataformas de Metaverso, adquirindo terrenos virtuais para posicionamento de marca e aposta em futuras interações com clientes.
“Também criamos um grupo de estudos interno e uma vertical de atuação com profissionais dedicados a NFTs e Metaverso. Nesse sentido, também passamos a estimular alguns clientes para o diálogo com o Metaverso e auxiliá-los nas respectivas estruturas jurídicas”, explica. “Além disso, também criamos uma iniciativa própria open source para auxiliar na criação de licenças de Propriedade Intelectual para obras e colecionáveis transacionados via NFTs, o NFTerms”, completa.
Já o Demarest tem observado tendências do ponto de vista prático, em como o mercado e empresas estão lidando com o assunto, além de aplicar as questões jurídicas trazendo as soluções necessárias. “Para citar algumas de nossas iniciativas, desenvolvemos conteúdos aos nossos clientes e ao mercado de forma geral, como e-books de temas como “Guia de Inteligência Artificial”, “NFT’s: Uma abordagem prática”, Pílulas de Conhecimento e podcasts com assuntos diversos. Muito em breve teremos novidades”, conta Campello.
Feigelson relata que o escritório tem participado de projetos de Web 3.0 e respondido consultas relacionadas à cripto e NFTs, além de estruturar projetos de empresas brasileiras e estrangeiras. “Temos visto, então, todo um campo de atuação. Tanto é que criamos uma área própria, um grupo de atuação dentro do escritório, que é um grupo multidisciplinar, justamente porque quando você está diante dessas questões de Metaverso, NFTs, entre outras, você está olhando para questões societárias, trabalhistas, tributárias – o que acaba englobando todas as áreas do Direito”, explica.
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