Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Felipe Leoni Carteiro Leite Moreira é sócio da área Direito Digital do Rayes & Fagundes Advogados Associados.
Agência Javali – Recentemente, os conceitos de criptomoedas e NFTs têm ganhado notoriedade e despertado curiosidade e grandes debates. No entanto, ainda há muita dúvida sobre esses dois termos. Afinal, o que são criptomoedas e NFTs e quais as semelhanças e diferenças entre estas modalidades?
Felipe Leoni Carteiro Leite Moreira – Realmente, ainda existe muita controvérsia acerca dos conceitos de criptoativos, criptomoedas e tokens, estando inseridos nesta última espécie as NFTs.
Apesar disso, denota-se que, nos últimos anos, certo consenso já foi alcançado pela comunidade internacional, no sentido de que as criptomoedas e os tokens são espécies do gênero “criptoativos” (ou “criptoassets”), constituindo-se como ativos digitais criptografados, assentados em tecnologia distribuída de registro de dados, as popularmente chamadas plataformas blockchain.
Dessa maneira, um criptoativo será considerado uma “criptomoeda” quando um ativo digital criptografado desempenhar funções inerentes a um meio de pagamento, podendo congregar uma ou mais características do conceito tradicional de moeda, dentre elas de ser um bem fungível, ou seja, intercambiável.
Por outro lado, os tokens caracterizam-se como uma representação digital criptografada de um ativo. Grosso modo, os tokens podem ser considerados como títulos digitais de propriedade de um criptoativo, caracterizando, por consequência, por sua infungibilidade.
Portanto, verifica-se que a principal e mais importante diferença conceitual entre criptomoedas e tokens (NFTs) é, justamente, a de que as primeiras são fungíveis (possuem sempre o mesmo valor agregado) e os últimos infungíveis.
Agência Javali – No que tange as criptomoedas, sabemos que existem diversas tentativas de regulamentação. Qual a importância de regulamentar esse recurso? Ainda nesse sentido, quais são os principais pontos que empresas e escritórios de advocacia devem prestar mais atenção?
Felipe Leoni Carteiro Leite Moreira – De fato, mundo afora, há uma série de medidas visando a regulamentação das criptomoedas.
O tema é bastante polêmico, pois vai de encontro com a essência da tecnologia Blockchain, que foi desenvolvida, justamente, para se tornar uma alternativa aos meios tradicionais e oficiais de circulação de riqueza. Ou seja, permitir a regulação dos criptoativos é, em sua essência, desvirtuar a natureza da tecnologia descentralizada.
Para os defensores da regulamentação, o processo se faz necessário para conferir segurança jurídica ao ecossistema e a todos aqueles que, a despeito de estarem sujeitos à tecnologia, não possuem conhecimento suficiente para fazê-lo, cabendo à atuação estatal realizar essa proteção. Trata-se do mesmo princípio que, na década de 60, fez com que o Estado passasse a entender necessária a regulamentação do mercado de capitais.
Por outro lado, aqueles que são contrários à regulação, defendem que a própria arquitetura tecnológica empregada na tecnologia permite uma espécie de autorregulação, não havendo necessidade, portanto, da atuação estatal.
Hoje, pode-se defender a existência de três tipos diferentes de países: aqueles que regulamentaram o uso das criptomoedas (caso de El Salvador, que, inclusive, conferiu curso legal ao bitcoin, obrigando a sua aceitação), os que são permissivos quanto ao seu uso e circulação, caso do Brasil, e aqueles que efetivamente proibiram a utilização, ou mesmo posse, de criptoativos, caso da China.
Agência Javali – O Projeto de Lei nº 4.401/2021, aprovado pelo Senado Federal em abril de 2022, prevê isenção tributária na compra de hardwares e softwares para processamento, mineração e preservação de criptomoedas até 2029, desde que sejam utilizadas fontes renováveis de energia elétrica, que neutralizem 100% das emissões de gases de efeito estufa nestas atividades.
Por que a utilização de energia renovável é importante no cenário das criptomoedas e por que a isenção tributária prevista tem gerado tanto debate?
Felipe Leoni Carteiro Leite Moreira – A previsão disposta no PL 4.401/2021 constitui uma tentativa do legislador de propiciar menor impacto ambiental ao processo de mineração de criptoativos, o qual é, sabidamente, bastante relevante.
Isso porque estudos demonstram que, só no último ano, considerando o período de maio de 2021 a maio de 2022, cerca de 357 terawatts/hora foram consumidos para o processo de mineração de bitcoins no mundo todo, o que ultrapassa, por exemplo, toda a energia consumida pela Argentina, país com cerca de 45 milhões de habitantes.
Nesse sentido, entendeu o legislador, por bem, fomentar que as atividades de mineração fossem realizadas mediante emprego de energia renovável, como maneira de tornar o Brasil mais atrativo para mineradores, sem renunciar à sustentabilidade.
Agência Javali – Na sua avalição, quais serão os setores econômicos e as áreas do Direito mais afetadas pelo uso de criptomoedas? Por quê?
Felipe Leoni Carteiro Leite Moreira – Todos os setores econômicos serão impactados pela utilização de criptoativos.
O uso da tecnologia blockchain oferece aos usuários uma segurança inigualável, possibilitando uma alteração substancial nas relações jurídicas existentes em diversas indústrias e setores econômicos.
Haverá, certamente, uma alteração substancial na forma com que fazemos negócios e, consequentemente, na maneira com o que o Direito é aplicado.
Agência Javali – Na sua opinião, como o Real Digital, criptomoeda do Banco Central, pode afetar o dia a dia das empresas? E como os profissionais de Direito podem se preparar para seus riscos e impactos?
Felipe Leoni Carteiro Leite Moreira– Infelizmente, o projeto de implementação do Real Digital passou a fazer parte dos planos do Banco Central apenas a partir do ano de 2023.
De toda maneira, o Real Digital tem a capacidade de gerar grandes mudanças para o Sistema Financeiro Nacional, em especial porque, para o processo de digitalização da economia, questões como a alteração da legislação cambial e do processo de conversibilidade da moeda precisarão ser revistos.
Agência Javali – Já as NFTs devem ser reguladas separadamente por se tratar de uma espécie de uma certidão digital de um serviço. Neste sentido, o que a sociedade pode esperar sobre a regulamentação das NFTs quando chegar a hora? E até lá, quais são os cuidados que precisam ser observados?
Felipe Leoni Carteiro Leite Moreira– O PL 4401/21 tem, de fato, um direcionamento a questões de âmbito criminal, tendo em vista que, nos últimos anos, houve a perpetuação das chamadas pirâmides financeiras. O caso “Rei do bitcoin” é, com certeza, um dos casos que fomentou a produção do PL.
Por essa razão, o PL tem um viés mais principiológico e que, invariavelmente, acabará tendo que ser complementado tanto pela jurisprudência quanto pela regulação feita pelo Banco Central, CVM e outros órgãos reguladores.
Não vejo como um prejuízo a ausência de regulamentação do tema NFTs nesse momento, justamente porque a regulação, quando realizada de maneira apropriada, tende a ser mais técnica e bem elaborada do que a lei em si, que é produto de um clamor popular. É uma resposta política que, nem sempre, corresponde com a técnica que matérias envolvendo tecnologia requerem.
Agência Javali – Sabemos que as NFTs podem representar obras de arte, produtos exclusivos de marcas famosas ou acesso a eventos exclusivos. Na sua opinião, como a natureza da NFT pode influenciar na sua regulamentação?
Felipe Leoni Carteiro Leite Moreira– Como o próprio nome indica, as NFTs, ou melhor, os Non-Fungible Tokens, são criptoativos caracterizados por sua infungibilidade. Ou seja, são ativos digitais únicos e, por essa razão, são valorizados a partir do mesmo princípio monetário aplicado a obras de arte, produtos de marca ou ingressos de eventos analógicos: quanto maior a escassez, mais valorizado se torna aquele Token.
Dessa maneira, essa espécie de criptoativo caracteriza-se, basicamente, como um colecionável digital. Dada essa natureza infungível, uma série de questões devem ser abordadas em uma eventual regulação, especialmente aquelas relacionadas ao direito autoral desses colecionáveis. Isso porque, deve-se conferir direitos não somente ao titular desse token, mas, também, à pessoa que desenvolveu ou criou aquele ativo digital que passou a ser tokenizado.
A grande discussão envolvendo NFTs, certamente, envolverá o direito autoral desses ativos.
Agência Javali – Um dos exemplos do impacto das NFTs pode ser observado na ação que a grife de moda francesa Hermès está movendo contra um artista, alegando que este copiou um modelo de bolsa da marca para vender como NFT.
A partir deste caso, como você acha que empresas e escritórios de advocacia devem se preparar para lidar com questões jurídicas enquanto a regulamentação das NFTs não é elaborada? Quais serão as principais áreas afetadas?
Felipe Leoni Carteiro Leite Moreira – É exatamente aqui que reside a principal controvérsia envolvendo as NFTs.
A questão é que, considerando a legislação vigente, deter uma NFT não confere a seu possuidor direitos automáticos de propriedade sobre a obra de arte “tokenizada”, mas, apenas, sobre o ativo digital representativo daquela obra.
Ou seja, do ponto de vista jurídico, a NFT caracteriza-se, apenas, como um registro de propriedade que indica que você possui uma versão digital de uma obra, mas, não, a obra de arte em si. A percepção que vem sendo veiculada é de que, ao possuir a NFT, você seria considerado dono da obra, o que não é necessariamente a realidade. Isso pode gerar controvérsias futuras sobre o direito de explorar determinada obra.
Agência Javali – Tantos as criptomoedas como as NFTs são ativos intrinsicamente conectados ao metaverso, espaço digital onde é possível se conectar com pessoas de todo o mundo através de avatares. Considerando a sua natureza de utilização mundial, você acredita que o legislativo brasileiro, as empresas e os escritórios de advocacia devem estar atentos às regulamentações internacionais? Quais impactos podemos esperar?
Felipe Leoni Carteiro Leite Moreira – Com certeza. Cada vez mais veremos um mundo jurídico sem fronteiras, em que a legislação de uma nação acabará sendo conflitante com a de outra, por conta do “cyberespaço”.
Agência Javali – Recentemente, você se tornou sócio do Rayes & Fagundes Advogados Associados, representando a área de Direito Digital no quadro societário. Na sua opinião, qual a importância de se ter uma figura correspondente desse setor na liderança de uma banca jurídica de expressão nacional? Você acha que recursos como as criptomoedas e NFTs farão com que esta área de atuação cresça ainda mais nos próximos anos?
Felipe Leoni Carteiro Leite Moreira – A dinâmica dos negócios está cada vez mais digitalizada e as alterações, legais e regulatórias, também estão indo para essa direção. Isso fez com que nós, no escritório, percebêssemos a necessidade de ter uma área específica em Direito Digital, com o objetivo de conferir a nossos clientes atualizações sobre todas essas mudanças que estão e que vão vir a ocorrer nos próximos anos. Haverá, sim, uma mudança de paradigma na realização de negócios.
O nosso objetivo é, com essa área, conferir a nossos clientes um atendimento especializado, não só no jurídico, mas também no viés técnico.
Agência Javali – Dentro da comunicação digital do Rayes & Fagundes Advogados Associados, você deu início à série “Pílulas de Direito Digital”, em que apresenta as novidades desse setor em vídeos de cerca de um minuto. Como surgiu essa ideia e qual o objetivo desta ação?
Felipe Leoni Carteiro Leite Moreira – O nosso escritório sempre teve um viés bastante negocial e, como não poderia ser diferente, vimos a necessidade de usarmos as nossas redes sociais para conversar de maneira mais informal com nossos clientes.
Além disso, aqui no escritório, nós sempre buscamos aliar a parte técnico-jurídico, essencial para a prestação de serviços advocatícios de qualidade, com a inovação, tornando o nosso atendimento o mais atual possível.
Agência Javali – As faculdades de Direito levam tempo para adicionar novas questões ao seu currículo de ensino e muitas delas ainda investem fortemente no Latim, por exemplo.
Como você acha que os novos profissionais podem se preparar para a economia digital e a Internet 3.0? Qual mensagem você gostaria de deixar para essa nova geração de advogados?
Felipe Leoni Carteiro Leite Moreira – Acredito que, nos últimos anos, as áreas pedagógicas das faculdades passaram a reconhecer a necessidade de atualização das grades acadêmicas. Não são poucas as faculdades que, hoje, já ofertam matérias eletivas, ou mesmo obrigatórias, envolvendo o Direito Digital e/ou novas tecnologias. Isso, certamente, gerará profissionais mais capazes de enfrentar os desafios que o mundo jurídico, somado ao tecnológico, irá nos apresentar em breve.
Para aqueles que ainda não têm a possibilidade de cursar essas matérias, a dica que tenho é a busca de conhecimento na própria Internet. Vivemos em uma era em que o conhecimento é muito acessível. A Internet tem muito a oferecer para aqueles que querem somar com ela.