Lúcia Ancona Lopez de Magalhães Dias é graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), tendo recebido o título de Doutora em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Atua em casos complexos na área do direito do consumidor e regulatório perante o Judiciário e diferentes órgãos do SNDC, agências reguladoras e CONAR. Além disso, também atua como consultora de diversas associações para variados temas de impacto regulatório, sobretudo nas matérias de recall, rotulagem, promoções, publicidade, comércio eletrônico e segurança alimentar. É autora de diversas publicações na área e, em especial do livro “Publicidade e Direito” (em sua 3ª edição), que aborda os aspectos jurídicos da propaganda e do marketing em geral.
1. Agência Javali – A área de Direito do Consumidor é bastante concorrida e conta com muitos profissionais renomados do gênero masculino. Como foi a sua escolha para esta especialidade e quais paradigmas você precisou quebrar para ser, atualmente, uma das advogadas mais reconhecidas nesta especialidade?
Lúcia Ancona Lopez de Magalhães Dias – Meu histórico familiar está relacionado à área de Direito, tanto na advocacia, quanto na academia. A escolha acabou sendo natural, considerando também meu menor interesse pelas chamadas Ciências de Exatas durante o ensino médio. Justamente pela importância familiar no Direito, tive que redobrar a responsabilidade e quebrar muitos paradigmas para ser eu mesma, e não a filha do Carlos Francisco de Magalhães ou da Teresa Ancona Lopez. A maior quebra de paradigma começou pela escolha da minha área de atuação – que não era nem o Direito Antitruste (do meu pai), tampouco o Direito Civil (da minha mãe).
Apaixonada pelo Direito do Consumidor desde a faculdade, onde tive professores inspiradores, consegui, com muito estudo técnico, doutoramento na área e constância junto aos clientes, desenvolver uma nova área no escritório, junto com time dedicado, o que logo se mostrou totalmente sinérgico com o direito regulatório das agências, proporcionando um olhar multifacetado dos casos.
2. Agência Javali – Como mulher, qual foi o maior desafio que você encontrou no ramo do Direito?
Lúcia Ancona Lopez de Magalhães Dias – A advocacia é uma profissão dura; que demanda uma entrega diuturna e um enorme comprometimento com os problemas que lidamos. Para conseguir me posicionar como uma advogada que se destaca em sua área de atuação esse caminho requereu enorme preparação técnica e uma organização de todos os papéis que exerço na vida, especialmente familiar, de modo a viabilizar a realização – pessoal e profissional – simultaneamente.
Creio que esse é o maior desafio das mulheres bem-sucedidas em todas as áreas, não ter que optar entre sua felicidade na vida pessoal e seu sucesso profissional. Felizmente, consegui avançar nesses dois pilares de maneira concomitante.
3. Agência Javali – Na sua avaliação, como a representação feminina no setor jurídico tem evoluído ao longo dos anos?
Lúcia Ancona Lopez de Magalhães Dias – Em todas as áreas que o conhecimento técnico prevalece observamos o destaque das mulheres. Entre as estudantes, via de regra, somos as que mais se dedicam aos estudos e as que melhor se apresentam ao mercado de trabalho.
Somos a maioria dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Logo, hoje, quando anunciamos vagas no escritório, observamos que o número de candidatas supera em muito aquele dos candidatos e, geralmente, as mulheres chegam melhor preparadas para as entrevistas. Esta percepção também se confirma ao observarmos as listas dos aprovados nos concursos públicos.
Apesar desses fatores e da capacidade técnica das mulheres, ainda verificamos importante espaço para melhorias. No Judiciário, por exemplo, a despeito da qualidade dos seus integrantes, ainda há espaço para sensível aumento da representatividade de mulheres nas posições mais altas da magistratura, como no STF e Tribunais Superiores. Trata-se de mudança que possui um grande valor para toda a sociedade.
4. Agência Javali – Quais são as principais barreiras que as mulheres ainda enfrentam no mundo jurídico?
Lúcia Ancona Lopez de Magalhães Dias – No mundo jurídico, ainda prevalece grande número de colegas na base da carreira em empresas e escritórios e, um número menor, a cada nível da carreira que se avança.
A conciliação dos diversos papéis que as mulheres exercem segue sendo um grande desafio. Em nosso escritório, temos atuado de modo a dar oportunidade de crescimento iguais para homens e mulheres. Isso se traduz, na prática, em apoio aos estudos de especialização, horários flexíveis, apoio à maternidade, possibilidade de trabalhar remotamente em alguns dias da semana, critérios igualitários para remuneração, tudo o que possa auxiliar o desenvolvimento dos nossos profissionais na seara pessoal e profissional.
Outro tema que merece cuidado é o desequilíbrio de remuneração entre homens e mulheres, isso não se pode admitir em pleno 2023 e, menos ainda, nos escritórios de advocacia.
5. Agência Javali – Quando falamos em preconceito de gênero, muitas vezes olhamos apenas para grandes acontecimentos. Mas é comum que as discriminações aconteçam, também, nos detalhes. Você já vivenciou algo nesse sentido?
Lúcia Ancona Lopez de Magalhães Dias – Felizmente, nunca tive um episódio que tenha me traumatizado ou me deixado emocionalmente abalada. Essas coisas acabam por aparecer, talvez, em pequenos episódios da nossa rotina.
Lembro-me, porém, de ir pessoalmente ao Fórum grávida de praticamente 9 meses despachar uma liminar, que exigia esse meu esforço de deslocamento, e não ter sido sequer ouvida pelo magistrado. Não acredito que tenha sido uma discriminação propriamente, porque sabemos que tais situações independem de gênero, mas pela minha condição e tamanho de barriga, estava claro que havia algo importante a ser dito.
Acredito, porém, que o respeito às condições de gravidez da mulher, seja pela preferência em uma audiência ou sustentação, necessidade de amamentação e até, por vezes tolerância ao barulho, estão evoluindo e cada vez melhores.
6. Agência Javali – Qual é a importância de ter mais mulheres em posições de liderança na área do Direito?
Lúcia Ancona Lopez de Magalhães Dias – Hoje já se sabe que a diversidade e pluralidade trazem ganhos inequívocos de qualidade e eficiência, logo, resultados palpáveis para os negócios em geral.
A paridade entre homens e mulheres ainda tem muito chão pela frente, mas, aos poucos, observamos uma mudança de cultura, que reconhece o valor que as mulheres trazem para o todo. Um exemplo que vale a pena ser observado é a medida adotada pela OAB, que passou a exigir, desde 2021, composição de 50% de homens e 50% de mulheres na gestão dos seus Conselhos Seccionais e Federal. Nosso Escritório conta hoje com praticamente 60% de mulheres advogadas extremamente capacitadas e, parte delas, já em cargos de liderança.
7. Agência Javali – Qual é o papel das mulheres na liderança de escritórios de advocacia e como você acredita que elas podem contribuir para uma maior diversidade e inclusão no setor?
Lúcia Ancona Lopez de Magalhães Dias – Se hoje temos mais mulheres nos cargos de liderança é porque antes de nós outras advogadas abriram os caminhos para nós.
Nossa responsabilidade é continuar ampliando os espaços e oportunidades para as novas gerações que nos sucederão. Apenas esse ciclo virtuoso trará os benefícios que nossa sociedade tanto anseia. Sem mulheres nas mesas que tomam as decisões, a realidade não será transformada.
8. Agência Javali – Muito se fala do papel da mulher nesta luta, mas como os homens podem contribuir para a igualdade de gênero no Direito?
Lúcia Ancona Lopez de Magalhães Dias – Precisamos cada vez mais de homens que sejam parceiros efetivos das mulheres no ambiente profissional e, também, no familiar. É imperativo que mudemos uma crença generalizada que homens “ajudam” suas esposas, pois os cuidados com a casa e com a prole são responsabilidade de ambos.
É preciso que homens em cargos de liderança se sensibilizem e criem condições para que mulheres não tenham que optar entre a felicidade na vida pessoal ou o sucesso no campo profissional. Isso será fundamental para mitigarmos a evasão profissional das mulheres na faixa etária em que costumam se tornar mães. Consegui realizar o sonho de ter três filhos e ainda continuar a voar no trabalho porque o meu marido (que é um advogado extremamente conceituado e tem uma carga alta de trabalho), nunca permitiu que eu tivesse que optar entre os dois caminhos, dando-me todo o suporte necessário na criação e dia a dia das crianças.
São muitos desafios, não é fácil para ninguém, mas o mais importante é tentar achar um equilíbrio em tudo aquilo que fazemos. Tudo isso exige, claro, muito diálogo, esforço, constância e, sobretudo, cuidado verdadeiro de um com o outro. É um agir recíproco. E tal comportamento também é muito importante para criação dos filhos, que já crescerão com uma outra imagem da relação homem-mulher.
9. Agência Javali – Como as mulheres podem aproveitar as oportunidades de mentoria para desenvolver suas carreiras na área do Direito?
Lúcia Ancona Lopez de Magalhães Dias – Desde os primórdios mulheres ajudam outras mulheres no ambiente doméstico. Nas minhas duas décadas de carreira, observo que temos nos reunido cada vez mais no ambiente profissional também. Essa união e parceria são fundamentais para o crescimento mútuo. A cultura de mentoria de jovens profissionais pelas mais experientes tem se propagado nas empresas e, também, nos escritórios, o que funciona como um acelerador do crescimento profissional.
10. Agência Javali – O que você diria para encorajar jovens mulheres a ingressarem na área do Direito?
Lúcia Ancona Lopez de Magalhães Dias – As carreiras jurídicas são desafiadoras, mas são muito gratificantes, cada interação com cliente, outras partes e atores do processo nos proporciona crescimento diário. Nossa profissão nos exige estudo constante e evolução contínua, isso é um privilégio que cada caso que lidamos nos proporciona. Outro ponto muito importante é que, das carreiras de humanas, o Direito é o que abre melhores chances de resultado financeiro.
As mulheres somente são realmente livres quando possuem independência financeira. Mulheres, não abram mão de suas carreiras! Venham, somem-se a nós, coloquem seus talentos e dons à serviço das ciências jurídicas.