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Luciana Aguiar

A transformação da advocacia em tempos de crise

Por

10 de agosto de 2021

Luciana Ibiapina Lira Aguiar, sócia e CEO de Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados. É graduada em Direito, Ciências Contábeis e Economia e Mestre em Direito Tributário pela FGV-SP. É professora em cursos de Direito da FGV Direito SP e da APET.

Agência Javali – A pandemia do coronavírus evidenciou a necessidade de reinvenção do mercado. Como foi esse processo para o escritório?

Luciana Aguiar: Assumi a função de CEO do escritório em fevereiro de 2020, ou seja, às vésperas do início da pandemia. Como atuamos no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas somos maiores no RJ e eu fico em SP, passei o mês muito focada em conhecer mais a fundo as estruturas administrativas, os processos e as pessoas, o que foi determinante para as decisões que tivemos que tomar logo na sequência.

O nosso escritório, como a maioria dos escritórios do nosso porte, não estava pronto tecnologicamente para o trabalho a distância. Mas nesse processo de diagnóstico já havíamos detectado a necessidade de investir em tecnologia. Assim, em 15 de março do ano passado, logo no início da pandemia, decidimos que todos deveriam trabalhar de casa e montamos um plano que contou com a essencial colaboração dos nossos profissionais de TI.

Não perdemos mais do que dois dias de trabalho virando essa chave. No nosso caso, a preocupação maior foi:

(i) com a segurança da informação,

(ii) a necessidade de adaptação de profissionais mais velhos, portanto, com menor intimidade com a tecnologia de conexão remota (temos muitos seniores e gostamos de tê-los conosco)

(iii) a nossa capacidade de manter a conexão interna (entre os profissionais do escritório) e com os nossos clientes, garantindo a capacidade de vender e entregar trabalhos com a mesma qualidade

E, claro, nos preocupamos em pagar as contas. Diante de tantas incertezas, rapidamente tivemos que tomar algumas decisões difíceis relacionadas a corte de despesas, renegociação de contratos, sempre com vistas a cortar aquilo que imaginávamos que não representariam cortes definitivos.

Estudamos as tecnologias disponíveis e fizemos investimentos que se mostraram muito acertados.

Com as ferramentas na mão, passamos a agir ativamente em busca de nossos clientes e potenciais clientes e percebemos que o “virtual” poderia ser até uma vantagem para que uníssemos Rio e São Paulo de forma mais eficiente, rápida e com menos custos.

Agência Javali – Na transição para o trabalho home office, quais foram os maiores obstáculos e como foram solucionados? No pós-pandemia, o escritório adotará medidas mais flexíveis para o trabalho?

Luciana Aguiar: O primeiro obstáculo foi a tecnologia. Trabalhávamos com desktops, full time no escritório e de repente tivemos que migrar tudo para casa e sem saber por quanto tempo.

Nos preocupamos em saber se as pessoas tinham espaço e estrutura em casa para continuarem trabalhando e emprestamos o material (cadeiral, computador, etc.) sempre que necessário, visando garantir segurança e qualidade de vida, nos padrões possíveis diante das circunstâncias.

Também foi grande o desafio de estarmos distantes e não sabermos por quanto tempo. Algumas pessoas sentem mais do que outras.

Então fizemos  iniciativas como happy hour Bocater (sextas-feiras ao final da tarde), oportunidade em que todos se encontravam virtualmente para ouvirmos alguém (normalmente um sócio sênior) contar as suas experiências. Fizemos o #juntosmesmoseparados, iniciativa na qual montávamos um mosaico de fotos das pessoas com suas novas companhias de trabalho e no seu novo ambiente. Começamos um jornalzinho interno chamado Notícias Bocater para divulgarmos tudo o que acontece (eventos, mídia, aulas, palestras) com os nossos profissionais e também entrevistamos um profissional a cada edição (técnico ou administrativo). Fizemos pesquisas de clima para entendermos as angústias e preocupações de nossas pessoas e e-mails sequenciais com instruções e dicas buscando criar uma consciência sobre a prioridade com a saúde e segurança das pessoas.

Em outras palavras, o trabalho remoto demandou que adotássemos providências que foram cultura e criam laços. Isso precisa ser feito em qualquer situação, mas dá trabalho, exige tempo, dedicação, investimento. A pandemia e o home office não nos deram opção e aceleraram um processo que não terá mais retorno.

Mesmo assim, sabemos que a distância prolongada, principalmente pelo motivo da pandemia, pode ser algo difícil para algumas pessoas. Tivemos pessoas que  mudaram de  carreira, buscaram oportunidades em empresas maiores, tiveram problemas com a saúde mental. Claro que é impossível saber o quanto disso se deve às circunstâncias do trabalho remoto, mas certamente, a nossa capacidade de observar, perceber e reagir aos problemas dos colegas, buscando ajudá-los é maior quando convivemos presencialmente. Por isso após a pandemia, pretendemos retornar ao trabalho presencial, ainda que ele volte em outros termos, mais flexível.

A flexibilidade foi indicada em nossas pesquisas como um ganho na qualidade de vida. Se antes alguns eram céticos quanto ao rendimento do trabalho remoto, a pandemia mostrou que o comprometimento não depende da supervisão presencial quando contamos com colaboradores maduros.

Agência Javali – Para lidar com as mudanças recentes, o escritório precisou pesquisar e investir em novas soluções digitais ou contratou novos serviços? Quais? Como foi esse processo?

Luciana Aguiar: Já havíamos feito um investimento num software de acompanhamento de processos, portanto, tínhamos desenvolvido com sucesso um cronograma de implementação e migração de acervo para um nosso software.

Na pandemia, como já dito, no concentramos em contratar um “kit segurança da informação”, não apenas por causa do home office, mas também por conta da LGPD e do nosso compromisso com os nossos clientes e suas informações. Tivemos pouco tempo para estudarmos as soluções disponíveis no mercado, por isso optamos pela Microsoft que, além de ser uma empresa consagrada, já era utilizada por nós e ofereceu um pacote bastante completo para o que precisávamos. Associamos a isso um GED homologado para a LGPD.

Nesse meio tempo, houve um incidente com o nosso antigo servidor e todo o investimento se mostrou absolutamente acertado, posto que foi o que nos permitiu não perder nenhuma informação e nenhum dia de trabalho.

Agência Javali – O trabalho remoto também contribuiu para o aumento no uso de outras plataformas de comunicação, como o WhatsApp. Como um escritório de advocacia pode adotar o aplicativo de mensagens como ferramenta de trabalho? Quais os principais cuidados que devem ser tomados?

Luciana Aguiar: Compramos um pacote Office bem completo e buscamos instruir nossos colaboradores para que usem as ferramentas do pacote (Outloook, chat do Teams, etc.) como forma oficial de comunicação. Fizemos um grupo de WhatsApp no início da pandemia no qual apenas eu e o pessoal do TI conseguimos enviar mensagens e que é utilizado apenas para avisos e emergências.

Claro que em algumas situações, clientes entram em contato por WhatsApp e precisamos respondê-los. Mas buscamos separar os canais de comunicação trabalho/assuntos pessoais, inclusive para ajudar a criar marcos no home office que ajudem as pessoas a separarem o trabalho dos momentos de descanso e lazer.

Agência Javali – De que forma as teleaudiências e videconferências alteraram a rotina de trabalho? Quais foram os principais desafios e soluções alcançadas?

Luciana Aguiar: A tecnologia nos ajudou muito a manter as reuniões com clientes, a juntar as mais de 100 pessoas do escritório no Rio e em São Paulo. Também trouxe mais eficiência para o nosso dia já que as reuniões passaram a se seguir sem a necessidade de incorrer em tempo e custo de deslocamento. No nosso caso, isso foi muito importante porque passamos a atender nossos clientes no Rio de Janeiro sem a necessidade de irmos para lá o que acabou nos aproximando muito deles. Também participamos de muitos eventos, aulas, palestras, reuniões institucionais e a tecnologia acabou permitindo que esse tipo de evento acontecesse com maior frequência.

Por fim, fizemos sustentações orais, audiências com juízes utilizamos ferramentas de projeção na tela que possivelmente não usaríamos em eventos presenciais.

As videoconferências são uma solução ótima. Certamente há situações que a reunião presencial faz falta. Trabalhos de M&A com reuniões longas e negociações intensas são um bom exemplo disso. Reuniões de feedback, admissão também são muito melhores quando são olho no olho, mas assim como a flexibilidade no trabalho presencial, a reunião virtual veio para ficar.

Agência Javali – E como fica a relação com os clientes? Sem a possibilidade de encontros presenciais, muitas vezes, em sedes luxuosas, foi preciso redescobrir uma maneira para se manter próximo e impressionar os clientes?

Luciana Aguiar: No nosso caso, pelas características da nossa atuação em São Paulo e Rio, a migração para o virtual nos ajudou mais do que prejudicou. Sempre quisemos impressionar nossos clientes a partir de nossas entregas, de nossa qualidade técnica e de nossa forma de atendê-los. Nada disso de perdeu com a ausência de relacionamentos presenciais. Focamos em manter estreitos os laços com os clientes que já atendíamos, o que também parece mais acertado do que buscar pessoas desconhecidas remotamente.

Assim como outros escritórios, a distância nos obrigou a criar mais conteúdo, a interagir mais por canais de mídia e novamente entendemos isso como uma boa oportunidade de investirmos mais em algo que já deveríamos fazer.

Importante dizer que há situações, principalmente com gerações mais maduras, que o contato pessoal continua a fazer diferença. Aquelas situações em que as pessoas se encontravam para jantar ou almoçar a negócios, jogar golfe ou coisa parecida. Hoje em dia os negócios parecem não acontecer mais tanto nessas ocasiões porque as pessoas mais jovens desejam reservar momentos para a vida pessoal, buscando qualidade de vida. Em outras palavras, para as gerações mais novas, trabalho é trabalho e lazer é lazer.

Agência Javali – O isolamento também contribuiu para mudanças internas nos escritórios. Antes da pandemia, muitas bancas tinham políticas claras de “dress code”. O home office fez com que a advocacia se tornasse um ambiente menos “formal”? Podemos esperar um retorno das atividades com uma política menos rígida quanto à vestimenta?

Luciana Aguiar: O Bocater nunca foi um escritório rígido com dress code. Pela origem carioca e pelo excelente ambiente de trabalho fomentado genuinamente pelos sócios fundadores, somos um escritório informal, agradável e assim seremos quando tudo voltar ao normal. Acredito que o mesmo se passe em outros escritórios.

Agência Javali – A pandemia mudou, ainda, a maneira como o recrutamento de novos talentos foi realizado. Se por um lado tornou o processo mais difícil pela distância, por outro também possibilitou a contratação de advogados de qualquer lugar do país. Como o escritório enxerga esse cenário para atrair talentos?

Luciana Aguiar: Recrutar na pandemia é um grande desafio. Essa é uma daquelas situações em que o olho no olho faz falta. O onboarding também é difícil, principalmente para quem chega. Contratar pessoas fora do eixo Rio-SP ainda não é uma realidade, o que temos vivido é o retorno para a cidade natal de muitos dos nossos profissionais, sendo que alguns foram até para o exterior e ficaram vários meses. Essa flexibilidade ajudou muito a manter vários dos nossos profissionais que moravam sozinhos em São Paulo ou no Rio mais próximos as suas famílias e amigos e, portanto, mais acolhidos durante um tempo tão difícil.

Agência Javali – Junto com a pandemia também surgiu a necessidade ainda mais premente de cuidar da saúde mental. Como o escritório lidou com essa questão? A comunicação entre colaboradores mudou de que maneira durante a pandemia?

Luciana Aguiar: Fizemos dicas, materiais específicos e pesquisas sem identificar os respondentes sobre a saúde mental. Não tivemos casos de afastamento por problemas dessa natureza, mas tentamos manter o contato próximo e a oferta de suporte caso necessário.

Agência Javali – Outro grande desafio com todas as recentes mudanças é a perpetuação da cultura do escritório. Como fomentar uma cultura institucional sólida em um modelo de trabalho à distância?

Luciana Aguiar: Eu vim de uma experiência de mais de 18 anos em consultoria BigFour, empresas em que trabalhamos mais dentro de outras empresas (nossos clientes) do que em nossos próprios escritórios. Essas empresas investem muito em marca, cultura, treinamento técnico e comportamental, promovendo eventos que agreguem às pessoas e disseminem a cultura e os valores. Por essa experiência sei que é possível construir cultura forte mesmo num ambiente de trabalho flexível. Certamente é bem mais difícil se o home office for total, por isso mesmo não pretendemos manter o modelo 100% remoto após o término da pandemia.

Nesse processo de reformulação e atualização da comunicação do escritório, estamos também montando uma nova intranet, iniciativa coordenada com a renovação de nosso site. Esse ambiente tem por objetivo ajudar a manter a nossa cultura, os nossos valores, as nossas informações, os nossos acontecimentos sempre à mão para que nossos colaboradores tenham acesso.

Agência Javali – Uma importante mudança para o mercado jurídico foi a modernização das regras de publicidade da OAB. Essas mudanças irão transformar as estratégias de comunicação do escritório?

Luciana Aguiar: Nossa estratégia de comunicação vem sendo mudada de forma muito intensa e bem planejada desde que contratamos a nossa assessoria de impressa (Chiquetto Comunica) um pouco antes da pandemia. Foi uma sorte muito grande tê-los conosco quando a pandemia começou porque já nos conhecíamos bem e por isso pudemos trocar muitas ideias e desenhar uma estratégia mais estruturada tanto no que tange aos eventos que patrocinamos, às iniciativas que investimos, aos conteúdos que produzimos e disponibilizamos.

Há muito que pode ser feito para divulgar o escritório, sua linha de atuação, seus valores. Com a ajuda da nossa assessoria estamos renovando nosso site, expressando externamente a renovação pela qual estamos passando, nossos valores, nossa personalidade corporativa e com ferramentas mais inteligentes para o acesso aos conteúdos técnicos que produzimos.

Agência Javali – A advocacia tem evoluído muito, sobretudo no último ano e meio. Para você, o que significa ser um “escritório do futuro”?

Luciana Aguiar: A advocacia é um serviço personalíssimo e que costuma se estabelecer em meio a uma relação de confiança, a exemplo do trabalho do médico. O escritório do futuro bem-sucedido será aquele que saiba equilibrar a tecnologia que aumenta a eficiência com as soft skills necessárias para que sejam construídos as pontes e os laços nos quais a confiança se funda.

Pelo menos no nosso caso, o nosso objetivo é introduzir cada vez mais a tecnologia como um suporte para atividades repetitivas, de gestão de informação, de jurimetria e que permitam que as pessoas fiquem mais dedicadas ao aprimoramento técnico e à gestão e relacionamentos humanos, nos quais tenhamos tempo e atenção para ouvir e entender bem as demandas de nossos clientes, entregando a eles exatamente o que esperam ou mais!

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