Laina Crisóstomo é mulher, negra, mãe, advogada, feminista e ativista pelos Direitos Humanos. Especialista em Gênero e Raça, pós-graduada em Violência Urbana e Insegurança, e Mestranda em direitos criminais, é presidente e fundadora da ONG TamoJuntas que atua em 23 Estados do Brasil com mulheres em situação de violência. Foi escolhida em 2016 como mulher inspiradora pelo site Think Olga e em 2017 pelo site Under 30 da Forbes Brasil pelo trabalho desenvolvido com mulheres em situação de violência.
Agência Javali – Como surgiu a ideia de criar a TamoJuntas? Quais os principais pilares e como funciona a atuação da instituição?
Laina Crisóstomo: O TamoJuntas surgiu a partir da hastag #MaisAmorEntreNós, uma campanha nas redes sociais, e que depois virou um aplicativo pensado pela jornalista Sueide Kintê. A hashtag era uma plataforma de oferecimento de ajuda, de mulheres para mulheres. Em abril de 2016, eu fiz um post nas minhas redes sociais, dizendo que eu poderia ser advogada voluntária de uma mulher por mês, que estivesse passando por uma situação de violência doméstica ou com processo na vara de família.
Com isso, muita gente me procurou e mandou mensagem, foi uma correria. Conheci outras duas advogadas, Aline Nascimento e Carolina Rola, e a gente criou a página TamoJuntas no Facebook, já que meu perfil pessoal não estava dando conta.
A ideia original era que a gente atendesse mulheres em situação de violência em Salvador, só que começaram a surgir muitas outras demandas. Para além de demandas jurídicas, há demandas psicológicas mesmo. Então, quando a gente começou a debater isso mais profundamente, nós percebemos que precisávamos ampliar o quadro de atuação.
Agência Javali – Quais foram os principais desafios enfrentados por vocês nos primeiros momentos da organização?
Laina Crisóstomo: O principal desafio era a falta de recursos e de estrutura, mas nossa paixão pela causa era muito forte.
Tem um debate na área do voluntariado de que há muita rotatividade. Existe um núcleo duro, com voluntários que estão desde o início, mas as pessoas precisam pagar as contas, infelizmente.
Falta investimento mesmo. O trabalho que a TamoJuntas faz é um trabalho público, que deveria ser feito pelo Estado. Mas o Estado não faz. E a gente, como Organização Não Governamental (ONG), acaba cumprindo uma tarefa que é dele.
No fim, a questão é essa: falta estrutura e dinheiro para atender mais mulheres. Inclusive estamos com uma campanha de arrecadação no site da TamoJuntas, onde é possível conferir todo o nosso trabalho, que pode se expandir com mais financiamento.
Agência Javali – A Tamo Juntas foi criada em de 2016 e em poucos anos a iniciativa se desenvolveu a ponto de se expandir para outras regiões do Brasil. A quais fatores você atribui esse rápido crescimento?
Laina Crisóstomo: Desde 2016, o avanço se deu com o processo de crescimento da violência no país, o TamoJuntas nasceu em um período de golpe misógino contra a única presidenta do país. Desde então, com Michel Temer, houve um corte de recursos, investimentos e políticas públicas voltadas para o combate à violência contra a mulher. Isso se desdobra com o governo Bolsonaro.
A gente acaba crescendo em decorrência disso, já no primeiro ano a gente chegou a 11 estados do Brasil.
Agência Javali – O projeto começou oferecendo assessoria jurídica, mas logo ampliou seus serviços para outras áreas, como psicologia e pedagogia. Como e quando vocês perceberam a necessidade de ir além da advocacia? E como é trabalhar nesse ambiente multidisciplinar?
Laina Crisóstomo: Em abril de 2016 estávamos atendendo juridicamente e em maio criamos o perfil do TamoJuntas no Facebook. Quando chega em agosto e setembro, começamos a atender já com essa perspectiva multidisciplinar, com psicólogas.
A necessidade vem exatamente pelo cumprimento da Lei Maria da Penha. Nós entendemos que as mulheres sofrem violência de forma integral, então o acolhimento também precisa ser integral.
Isso acontece de forma muito potente nesse processo de acolhimento multidisciplinar. As mulheres são acolhidas e encaminhadas para as redes, como CREAS e CRAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social e Centro de Referência de Assistência Social).
Isso não só para conseguir benefícios sociais, mas também pensando em como ajudar essas mulheres a seguir a vida e criar novos relacionamentos para romper esse ciclo de violência machista e patriarcal.
Agência Javali – Além de feminista, a TamoJuntas presta seu atendimento também pautada por princípios antirracistas e contra a LGBTQfobia. Por que essa abordagem interseccional é tão necessária para a missão da organização?
Laina Crisóstomo: Além de feminista, a TamoJuntas tem como princípio as pautas antirracista e antiLGBTfóbica, e também somos a favor da descriminalização do aborto, que é uma causa muito importante para a gente.
A questão da interseccionalidade para nós é fundamental porque não dá para pensar que todas as mulheres sofrem violência da mesma forma. Não, mulheres negras sofrem diferente, mulheres negras lésbicas sofrem diferente, mulheres trans sofrem diferente… É necessário entender como a interseccionalidade está ligada às vulnerabilidades, às violações de direitos e às dificuldades de acesso.
Julgamentos são diferenciados, atendimentos são mais demorados, e o Judiciário questiona e relativiza violências. Isso ocorre de forma geral contra as mulheres, mas contra as mulheres negras e LGBTQs, isso é ainda mais grave.
Agência Javali – Na sua opinião, quais são, atualmente, os maiores desafios para o combate à violência da mulher no Brasil?
Laina Crisóstomo: O maior desafio é tirar Bolsonaro! É necessário tirar esse presidente do governo, porque ele é genocida e tem uma política de morte para todas as ditas minorias.
Quando você tem um presidente que fala que não estupraria uma mulher porque ela não merece, porque ela é feia, você está relativizando o controle dos corpos das mulheres.
É um debate muito mais extenso. Há cortes de investimentos, o governo esconde e não manda relatórios para o Comitê das Nações Unidas sobre Eliminação de Discriminação contra Mulheres (Cedaw), o 180 (Central de Atendimento à Mulher) tem sido desmontado… Enfim, o grande desafio é derrubar Bolsonaro, pela vida das mulheres.
Agência Javali – O TamoJuntas também promove mutirões pelo desencarceramento, voltado para mulheres em situação de prisão preventiva. Por que, para lutar contra o machismo, também é necessário combater aspectos da política criminal brasileira?
Laina Crisóstomo: Nós temos promovido desde o início o debate de como libertar os corpos das mulheres. Isso tem a ver não só com o combate de relacionamentos abusivos, mas também com retirar mulheres das prisões e oferecer um processo de liberdade.
Agência Javali – Como uma advogada interessada no TamoJuntas pode colaborar com o projeto?
Laina Crisóstomo: No nosso site temos uma página para as interessadas em participar do projeto. É possível ajudar como voluntárias ou contribuindo financeiramente.
Atualmente estamos com uma campanha para a captação de recursos, porque estamos precisando muito. Estamos abertas para as mulheres que quiserem se juntar e fortalecer!
Para conhecer o projeto, clique aqui.