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Barreiras à inovação: como ser o agente da mudança na era das incertezas – Da necessidade de (des)aprender ao exercício da empatia

Por

30 de agosto de 2022

Paulo Samico | Gerente Jurídico & Legal Counsel Business Support na Mondelēz International


As opiniões expressas nos artigos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da Agência Javali.


“Aprender quase sempre envolve incompetência”[1]. A citação parece ser dura, mas vale a reflexão. Ao constatar que precisamos aprender algo novo ou buscar aperfeiçoamento, de forma consciente ou não, admitimos ser incompetentes. A falta de capacitação em uma determinada área somada ao sentimento que podemos desenvolver novas habilidades nos leva a crescer. É a sede pelo aperfeiçoamento que nos coloca nos trilhos da melhoria contínua.

Em um mundo frágil, ansioso, não-linear, incompreensível[2], de rápidas e profundas mudanças, talvez o termo correto que devamos estimular seja “desaprender”. O desaprendizado nos faz esquecer os conceitos e as formas da resolução de problemas utilizadas no passado. Agir assim é essencial para lidar com o novo. Não se resolve problemas causados pela tecnologia blockchain com a mesma lógica do reconhecimento de assinaturas em cartórios. Um mundo em transformação requer uma nova abordagem para encarar os desafios que se impõem. E resolver problemas é algo especialmente exigido dos profissionais do Direito.

Muitos gestores jurídicos ainda estão apegados à velha lógica. Ainda priorizam o analógico e flertam à distância com o digital. Seja por medo do novo, ceticismo ou desconhecimento, a alta liderança de inúmeras organizações ainda não dedicou uma atenção especial – e investimentos – às novas tecnologias que podem auxiliar na busca por melhores resultados.

Não são necessárias muitas pesquisas para constatar essa afirmação. A Base Nacional de Dados do Poder Judiciário, mantida pelo Conselho Nacional de Justiça, contabilizou mais de 80 milhões de ações judiciais[3], nas mais diferentes áreas do Direito. Grande parte possui empresas no polo passivo. Terreno fértil para as Legaltechs e Lawtechs apoiarem com suas análises preditivas, gestão de dados, ferramentas de solução de disputa online e legal design.

Mesmo o Brasil possuindo uma cultura altamente litigante, avessa à prevenção e ao acordo, certamente se houvesse maior atenção à tecnologia, seria possível diminuir ou pelo menos estabilizar esse número de processos judiciais. Para aprender a navegar nesse oceano de incertezas, portanto, o primeiro passo é ter humildade. Devemos admitir que nós, operadores do Direito, precisamos melhorar a forma como garantimos o acesso à justiça e a resolução de conflitos na sociedade brasileira. Precisamos de mudança.

Existem algumas barreiras no mundo corporativo que dificultam o surgimento dos agentes dessa mudança. Se superadas, as organizações ganham em agilidade e protagonismo junto ao seu setor, liderando o mercado em um contexto onde o primeiro a lançar um novo produto ou serviço garante o direito ao pioneirismo e uma consequente alta participação no mercado consumidor. Com essa mentalidade, reunimos abaixo algumas ações que transformam os colaboradores em agentes da mudança nos Departamentos Jurídicos e áreas corporativas:

  1.  Desafio ao (des)aprendizado: como mencionado, os tempos contemporâneos exigem uma capacidade de adaptação super acelerada. Esquecer a forma como se solucionava problemas no passado é um passo importante para estimular a criatividade e construir uma nova lógica que auxiliará na superação de novos obstáculos, hoje gerados em escala e velocidade sem precedentes. Abre-se espaço para cultivar uma nova inteligência jurídica, estruturada em dados e indicadores para lidar com a inovação exponencial.
  2. Apoio ao método empírico: o lema corporativo “pense grande, comece pequeno e escale rápido[4]” reforça que precisamos aprender por meio do teste e das experiências próprias. O achismo deve ser substituído pelo experimentalismo. Não é porque um novo produto ou serviço funcionou em uma empresa que funcionará na sua.
  3. Perda do medo de errar: da mesma forma que nenhum bebê aprende a andar sem cair, não existe inovação sem falhas e erros. O fracasso faz parte do aprendizado e pode ser calculado ao testar a novidade em pequena escala, utilizando provas de conceito. O importante é sair da inércia. Teste, falhe, aprende e recomece!
  4. Escolha da agilidade ante à perfeição: ser perfeccionista é uma atitude contrária ao movimento da inovação. O tempo empregado ao buscar a perfeição causa estresse na equipe, atrasos e demora na entrega de resultados prometidos à alta gestão, contribuindo ainda na perda da oportunidade de liderar um mercado ou emplacar um projeto inédito.
  5. Prática da gestão da mudança: é importante que se entenda sobre a razão das transformações, o que será preciso mudar, potenciais riscos e quais os recursos necessários para o processo de modernização e implementação de novas tecnologias. A gestão de mudanças (GMUD) é um processo estruturado e se revela um grande aliado para aumentar a probabilidade de sucesso em qualquer projeto de transformação. A GMUD sempre deve ser pensada colocando as pessoas no centro de todos os processos.
  6. Cultivo da empatia: é necessário empatia com aqueles que ainda não estão adaptados às novas tendências do Direito. Seja didático e demonstre a importância da busca por atualização por sistemas, tecnologias, formas de trabalho e metodologias é essencial. Fazer benchmarking e utilizar cases de outras empresas também ajuda bastante, mas é necessário ter paciência em respeito ao tempo de cada um, sobretudo se forem pessoas mais velhas e com dificuldade natural de lidar com novas ferramentas. Nesse caso, ter empatia é exercitar a diversidade e a inclusão.

A empatia merece ainda um destaque especial. Ter empatia[5] é ter inteligência emocional, uma soft skill altamente exigida nas organizações na atualidade. É saber se colocar no lugar do outro, assumindo a sua perspectiva. É evitar julgamentos, conceder o seu lugar de fala, compreender suas emoções e exercitar a escuta ativa, ouvindo atentamente o outro para direcionar a inovação de forma assertiva e eficaz. É o que muitas empresas fazem com seus consumidores, por exemplo.

A ausência de empatia prejudica a evolução da inovação nas organizações, seja ela disruptiva, incremental ou radical. Uma pesquisa da ACE Cortex[6], realizada com mais de 200 C-levels e diretores revela que 79,2% das empresas possuem baixa ou média maturidade para trabalhar com a inovação. Talvez este número seja elevado porque 31,4% dos entrevistados admitem não possuírem uma estratégia geral de inovação, faltando colaboradores responsáveis por conduzir as iniciativas de maneira estruturada e observando o exercício da empatia.

Ser agente da mudança não é fácil. Há prejulgamentos, incertezas e, é claro, o inconfundível medo de errar. Justamente pelo Direito ser uma área onde um erro pode causar consequências legais, financeiras e reputacionais elevadíssimas, é necessário cada vez mais adotar a prática da inovação observando os pontos abordados acima. Se inovar é transformar um produto ou serviço em algo acessível, confiável e eficiente ao ponto de resolver dores e problemas não endereçados… Ser conservador não é mais uma opção.

Paulo Samico | Gerente Jurídico & Legal Counsel Business Support na Mondelēz International

Advogado graduado em Direito pela UFRJ, pós-graduado em Processo Civil e estudante de pós-graduação em Direito Regulatório pela UERJ. Gerente Jurídico, Legal Counsel Business Support na Mondelēz International e Pesquisador Acadêmico da FGV Conhecimento. Professor da Future Law. Autor de diversos artigos publicados em periódicos jurídicos. Membro-fundador do DEPJUR, grupo de Departamentos Jurídicos da AB2L.

 

[1] GODIN, Seth. A Prática: entregando um trabalho criativo. Alta Books Editora. Rio de Janeiro, 2021, pág. 191.
[2] O acrônimo “BANI” vem dos termos no original em inglês para Brittle, Anxious, Nonlinear, Incomprehensible, respectivamente traduzidos de forma literal para Frágil, Ansioso, Não-linear e incompreensível. O termo foi criado pelo antropólogo Jamais Cascio em 2018, antes da pandemia, para caracterizar o mundo que estava nascendo no contexto da acelerada transformação digital.
[3] Informações extraídas do Anuário da Justiça Brasil 2022. Acessível pelo endereço <https://anuario.conjur.com.br/pt-BR/profiles/78592e4622f1-anuario-da-justica/editions/anuario-da-justica-brasil-2022/pages>. Acesso em 24/07/2022.
[4] Frase atribuída aos escritores norte-americanos Chunka Mui e Paul B. Carroll.
[5] Recomendamos fortemente a leitura do excelente artigo escrito por Andrea Iorio, no qual ele disserta sobre a relação entre empatia e inovação. Acessível pelo endereço < https://mittechreview.com.br/como-a-empatia-nos-torna-mais-inovadores/>. Acesso em 24/07/2022.
[6] Informações extraídas da Forbes Tech Brasil. Acessível pelo endereço < https://forbes.com.br/forbes-tech/2022/07/quais-os-principais-entraves-da-inovacao-em-grandes-empresas/?utm_source=newsletter&utm_medium=email>. Acesso em 24/07/2022.

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