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Frederico Bastos Pinheiro Martins

Dia Internacional de Luta contra a LGBTfobia

Por

17 de maio de 2022

 

Frederico é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2008) e mestre pela Fundação Getúlio Vargas (2017). Especialista em litígios econômicos, também dedica parte de sua carreira à promoção de diversidade e inclusão LGBTQIAP+ no mercado jurídico. Em razão do seu reconhecido trabalho em prol de D&I foi reconhecido como Future Leader for LGTB+ Equality pela Chambers Diversity Latin America (2019), além de ter sido listado nos anos de 2020 e 2021 no ranking global de Future Leaders LGBT da OUTStanding (INvolve/Yahoo Finance).

Agência Javali –  O Dia Internacional da Luta contra a Homofobia remete à data em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças, na década de 1990. De lá para cá, como você avalia os avanços e os gargalos da sociedade?

Frederico Bastos Pinheiro Martins: Estaria mentindo se dissesse que tenho lugar de fala para avaliar a situação da sociedade em 1990, pois tinha apenas cinco anos naquela época. De todo modo, posso, da minha perspectiva pessoal, notar um claro avanço da sociedade e aumento da visibilidade e inclusão das pessoas LGBTQIAP+.

Acho que a minha perspectiva – de um garoto que sofria bullying no colégio, por preferir brincar com as meninas, para um advogado gay reconhecido pelo trabalho em prol da inclusão e diversidade LGBTQIAP+ – pode servir como um de vários exemplos desses espaços que foram sendo conquistados.

A presença do LGBTQIAP+ na cultura popular, sobretudo no Brasil, ajudou nesse processo de inclusão e “desmarginalização”. Acredito muito no poder que a informação, o tornar conhecido, “normalizado”, têm na superação de preconceito e, por consequência, intolerância. E, claro, com a disseminação de informação, o avanço de leis que garantam efetivamente um espaço inclusivo e a defesa de direitos e prerrogativas à nossa comunidade.

Gargalos existem e são diversos. O Brasil ainda padece de muito machismo arraigado na sociedade que dificulta os avanços de diversas pautas. Além disso, a visibilidade não é equânime a todas as letras do espectro LGBTQIAP+, e é preciso trazê-las mais à luz.

Do ponto de vista mais global, percebo (e talvez seja uma percepção fruto dos meus cabelos brancos) que para todo movimento acaba nascendo um contramovimento. É natural e até salutar para evolução social que existam divergência de ideias e opiniões, mas um ponto que me preocupa atualmente é que a sociedade como um todo encontra-se tão polarizada que é difícil encontrar debate e consenso neste debate de ideias. E dentro dessa perspectiva, a pauta LGBTQIAP+ acaba ocupando uma ponta do espectro, dificultando o encontro do meio termo onde justamente nasce o avanço social.

Agência Javali – De acordo com relatório da Transgender Europe (TGEU), o Brasil lidera assassinatos de LGBTQIA+ no mundo. Pelo 13º ano consecutivo, o país é o que mais mata pessoas trans e travestis. Na sua opinião, a que se deve esse cenário?

Frederico Bastos Pinheiro Martins: Na minha opinião, o número deve-se ao evidente sexismo fortemente presente na cultura brasileira. Vamos lembrar que até pouco tempo atrás, a “legítima defesa da honra” era aceita como defesa válida em casos de feminicídio. Aliando o sexismo com a invisibilidade das pessoas trans e travestis na sociedade, começamos a entender (mas jamais justificar) esse número.

Agência Javali – Além da violência contra a vida de pessoas LGBTQIA+, o preconceito diário também tem efeitos devastadores, como nas oportunidades no mercado de trabalho. Na sua avaliação, como as empresas e escritórios de advocacia tem lidado com a diversidade e inclusão?

Frederico Bastos Pinheiro Martins: Muitas empresas e escritórios de advocacia, dentre eles o Mattos Filho do qual faço parte, perceberam o quanto a aposta em diversidade e inclusão trata-se, além de uma questão humanitária, um diferencial competitivo.

É comprovado que viver dentro do armário no trabalho causa perda de produtividade e não gera sensação de pertencimento que também tem relação direta com o grau de comprometimento e produtividade do profissional. Para além disso, ambientes diversos tendem a ser mais criativos e inovadores, pois acolhem diferentes pontos de vista e experiências de vida.

Muitas empresas estão atentas a isso e tem investido em promover ambientes inclusivos e acolhedores, bem como ter cada vez mais diversidade em seus quadros.

Agência Javali –  Quando falamos em comunidade LGBTQIA+ é comum ver que alguns membros têm mais representatividade do que outros, como acontece com lésbicas, bissexuais, transexuais e travetis – especialmente quando se trata de pessoas negras. Você acredita que é importante para as empresas trabalhar esses recortes? Por quê?

Frederico Bastos Pinheiro Martins: Como disse anteriormente, sim, é importante trabalhar os recortes para garantir maior visibilidade e, consequentemente, representatividade a todas as letras e recortes.

Além de cada grupo individualmente, ainda é preciso trabalhar os recortes interseccionais, pois eles tendem a enfrentar múltiplas pautas ou sofrer o peso da exclusão e preconceito de forma ainda maior.

Falar sobre a pauta da mulher negra lésbica, do homem trans gay, por exemplo, ajuda a diminuir o hiato que muitos grupos interseccionais ainda sentem no avanço dos esforços de D&I

Agência Javali – Nesse sentido, o que você acha que falta para que as organizações possam criar programas e políticas afirmativas voltadas à diversidade e inclusão?

Frederico Bastos Pinheiro Martins: Acredito que as organizações já têm avançado muito na criação de programas e políticas afirmativas, sempre pautadas no bom senso e no evidente valor que D&I traz para elas. Existem, contudo, amarras que poderiam ser sanadas com o avanço de iniciativas legislativas que encampem a criação desses programas e políticas. Tivemos exemplos recentes que o “contramovimento” que citei acima tentou conter iniciativas de empresas ou redes sociais para promoção de vagas afirmativas. Isso não seria possível se houvesse um respaldo mais preciso da lei para programas e políticas afirmativas.

Agência Javali – Embora haja, claramente, uma evolução nos últimos 30 anos por parte das empresas e bancas jurídicas, também é possível notar que muitas organizações criam políticas que servem como vitrine, sem necessariamente atuar de fato na causa. Você acredita que esse posicionamento tende a trazer prejuízos?

Frederico Bastos Pinheiro Martins: Não acredito que traga necessariamente prejuízos, pois ainda como vitrine a política traz visibilidade. Mas, certamente, ela apenas dá ares de avanço e prestigia o status quo, o que acaba atrasando a conquista de espaços pelos grupos diversos.

Nem todos vão iniciar esse debate com o mesmo grau de maturidade, mas temos que reconhecer a importância de estar visível. A partir daí, acredito que a sociedade e o mercado (sobretudo com maior maturidade do debate acerca de D&I) também passam a cobrar o “walk the talk” e a vitrine passa a inspirar a loja inteira.

Agência Javali – O Mattos Filho criou o Mfriendly, grupo de afinidade LGBTQIA+, que foi reconhecido como “Diversity Initiative of the Year” pelo Latin Lawyer em 2017. Como o Mfriendly funciona, por quem o grupo é formado e quais são os seus objetivos?

Frederico Bastos Pinheiro Martins: Criado em 2016, o Mfriendly foi o primeiro grupo de afinidade LGBTQIAP+ do mercado jurídico. Seu principal objetivo é tornar nosso ambiente de trabalho e o mercado de trabalho cada vez mais acolhedor e inclusivo para este grupo, engajando aliados à causa. Queremos que os profissionais do escritório possam falar abertamente sobre a temática LGBTQIAP+, e que cada um possa, se quiser, declarar sua orientação sexual e identidade de gênero sem medo de impactar negativamente sua carreira.

O grupo promove reuniões mensais de comitê para organizar eventos de sensibilização, produzir e difundir conteúdo informativo de qualidade, alinhar a participação em fóruns empresariais e realizar campanhas de comunicação interna e externa, além de contribuir com as ações de atração, desenvolvimento e retenção de talentos LGBTQIAP+.

Hoje o Mfriendly conta com mais de 350 membros, tanto LGBTQIAP+ quanto aliados, em São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas e Brasília; e com a participação ativa de sócios sponsors.

Agência Javali –  Até o momento, quais foram as principais ações desenvolvidas e as principais conquistas que o Mfriendly já obteve? Qual a importância desse trabalho para as bancas e para a sociedade?

Frederico Bastos Pinheiro Martins: O programa de Diversidade, Equidade e Inclusão está no centro da estratégia do escritório, que atua cada vez mais para impulsionar transformações na sociedade. Desde a criação do Mfriendly, entre as principais ações que já desenvolvemos com foco no grupo LGBTQIAP+, destaco aquelas destinadas à inclusão, desenvolvimento e retenção de profissionais transgêneros, como treinamentos, eventos de sensibilização, banheiros inclusivos unissex e uso de nome social, por exemplo.

Em conjunto com os demais escritórios de advocacia signatários do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, manifestamos repúdio ao Projeto de Lei n° 504/20, que tramitava na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. A proposta visava a estabelecer proibição à publicidade que fizesse alusão à orientação sexual e movimentos sobre diversidade sexual relacionados a crianças.

Criamos também um material que aborda fatos históricos dos Direitos LGBTQIAP+, partindo da insurgência de Stonewall, na Nova York de 1969, à decisão do Supremo Tribunal Federal, de 2020, que permite que homossexuais  bissexuais doem sangue no Brasil. E um infográfico que apresenta os direitos  sexuais e reprodutivos, apontando as garantias fundamentais para que todas as pessoas possam ter saúde sexual e reprodutiva, com autonomia sobre o  exercício da sexualidade e da parentalidade, livres de qualquer discriminação.

Agência Javali –  Diante desse cenário, como você acha que os escritórios de advocacia podem começar a desenvolver iniciativas, programas e políticas voltadas à diversidade e inclusão? E qual a importância de dar voz para pessoas LGBTQIA+ dentro das bancas?

Frederico Bastos Pinheiro Martins: Por sermos um escritório de advocacia, nosso principal ativo é o capital intelectual de profissionais talentosos. Assim, para nós, a importância da promoção da diversidade, equidade e inclusão está relacionada à sustentabilidade do nosso negócio no longo prazo, já que dependemos da atração, do desenvolvimento e da retenção de talentos, que não escolhem orientação afetivo-sexual, identidade de gênero, raça, credo ou origem familiar.

Para desenvolver programas de diversidade, equidade e inclusão, o primeiro passo é iniciar a conversa internamente. Entender o seu público interno para identificar as pautas que já precisam ser tratadas e as pessoas que estarão envolvidas no desenvolvimento dessas iniciativas.

O segundo é ver o que já está sendo feito no mercado e como essas iniciativas podem inspirar as suas. Não tem “fórmula secreta” ou “molho especial” quando o assunto é DE&I; pelo contrário, as organizações que já têm programas bem estabelecidos compartilham conhecimento, e essa troca é muito importante para a promoção da DE&I para além dos muros do escritório.

Feito o dever de casa, é hora de buscar, sempre de forma amistosa e criativa, engajar o público interno e fazer dele o vetor de transformação da cultura organizacional.

As pessoas com lugar de fala precisam estar envolvidas, pois trazem legitimidade e massa crítica às iniciativas. Além disso, o processo pode gerar nelas uma sensação de pertencimento à organização. Não é apenas importante, mas fundamental que seja dada voz e protagonismo às pessoas LGBTQIAP+.

O escritório atende demandas jurídicas relacionadas à comunidade LGBTQIAP+ pelo Mattos Filho 100% pro bono, e contribuiu com distribuição da cartilha “O direito à retificação de nome e gênero para pessoas trans”. O material foi feito em parceria com a organização Ssexbbox, que procura oferecer perspectivas plurais sobre sexualidade e gênero e foi distribuído na última Marcha do Orgulho Trans.

Agência Javali –  Nesse Dia da Luta contra a Homofobia, qual mensagem você gostaria de transmitir tanto à comunidade LGBTQIA+ como aos escritórios e empresas?

Frederico Bastos Pinheiro Martins: Acho que primeiro um “muito obrigado” aos precursores da comunidade LGBTQIAP+ que abriram as portas e plantaram as bases para eu hoje ocupar espaços inclusivos sem ter receio de ser e expressar quem eu sou.

E, além disso, lembrar que a luta é constante, continua e incansável, são apenas as pautas que mudam.

E, claro, celebrar os avanços. A pauta da Diversidade & Inclusão nunca esteve tão relevante e ela continuará a ser relevante enquanto mais empresas e escritórios reconheçam o seu valor e passem a contribuir para a promoção de ambiente cada mais inclusivos e acolhedores.

Força! E ninguém solta a mão de ninguém!

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