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André Giacchetta

Direito Digital em ano de eleição

Por

23 de agosto de 2022

André Zonaro Giacchetta atua em litígios e consultivo relacionados ao mercado de tecnologia, com reconhecida expertise em temas de privacidade, proteção de dados e responsabilidade civil de plataformas de internet; atuação perante o STF em recursos com repercussão geral e audiências públicas de temas relevantes sobre tecnologia e relacionados; assim como perante órgãos reguladores e Ministério Público. Em mais de 20 anos de atuação, possui experiência acumulada com grandes empresas internacionais e também nacionais de tecnologia, possibilitando uma visão multidisciplinar e ampla do segmento. André também atua em assuntos relacionados a eleições, propaganda eleitoral na internet e tem feito representações em audiências perante o TSE.

 

Agência Javali – Para quem ainda não conhece a área de atuação em profundidade, como funciona e qual a importância do Direito Eleitoral?

André Giacchetta – O Direito Eleitoral se preocupa, essencialmente, em entender, sistematizar e harmonizar as regras legais relativas ao processo eleitoral, que compreende não apenas o processo em si, das representações eleitorais, ações eleitorais propriamente ditas, mas todo o seu entorno, como a propaganda eleitoral, as condições de elegibilidade, candidaturas, associações partidárias, financiamento de campanhas, entre outros temas.

A importância do estudo e da adequada interpretação dos dispositivos legais que dizem respeito às eleições é garantir a plena aplicação das garantias constitucionais do voto, da representatividade e do próprio Estado democrático de Direito.

Agência Javali – O avanço tecnológico tem trazido impactos diretos às eleições, como o aumento da propagação de fake news nos ambientes digitais. Como um advogado especialista em tecnologia e Direito Eleitoral pode contribuir contra a disseminação de notícias falsas?

André Giacchetta – A intersecção da tecnologia e eleições vem trazendo, de fato, muitos desafios e benefícios também, pois, de um lado, tem possibilitado dar voz a milhares de pessoas, cidadãos comuns, e também a candidaturas com poucos recursos, mas, ao mesmo tempo, o seu uso distorcido, em desacordo com as regras estabelecidas principalmente pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), necessitam de uma interpretação contemporânea para a preservação dos valores democráticos.

É nesse contexto que se dá a atuação de advogados com conhecimento em tecnologia e também Direito Eleitoral, de modo a dar correta interpretação dos mecanismos e ferramentas colocadas à disposição pelas plataformas aos seus usuários em relação aos princípios e regras relativas à propaganda eleitoral.

Agência Javali – Juridicamente falando, quais são as consequências a quem cria e/ou dissemina fake news em um cenário político?

André Giacchetta – A desinformação é um fenômeno de comunicação, que vem ganhando grande repercussão nos últimos anos, especialmente no ambiente eleitoral, e com o qual o Tribunal Superior Eleitoral tem lidado com muita eficiência, especificamente com a edição e aperfeiçoamento das resoluções do tribunal, que procuram sempre refletir o aprendizado com os processos eleitorais recentes. Exemplo disso é o artigo 9º, A, da Resolução nº 23.671/2022, que passou a vedar, expressamente, a disseminação, por candidatos, partidos e coligações, de informação ou fato sabidamente falsos, sob pena de sua responsabilização direta, como uma reação ao aprendizado das eleições de 2020.

Além disso, a interpretação recente dada pelo TSE à definição de veículos de comunicação social para incluir as redes sociais em seu escopo, tem por objetivo possibilitar a apuração dos crimes de abuso de poder econômico ou político previsto na Lei Complementar 64/1990, que prevê, como uma das sanções, a cassação do mandato parlamentar. Essa nova visão do TSE já culminou com a cassação de um deputado federal, que alegadamente teria divulgado um vídeo, em uma plataforma de internet, com informações falsas sobre as urnas eletrônicas.

Agência Javali – Recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) buscou acordos com redes sociais para combater as fakes news. Nesse período, pudemos observar algumas resistências e até mesmo descumprimento de acordos. Nesse sentido, qual a responsabilidade das plataformas digitais no combate às fake news?

André Giacchetta – Precisamos entender e aceitar que o sucesso no combate à desinformação depende da participação de todos os personagens envolvidos, não se podendo atribuir exclusivamente às plataformas de internet esse ônus de repressão, sob pena de um desbalanceamento prejudicial ao processo eleitoral.

Nesse sentido, as plataformas têm realmente firmado acordos de cooperação com a Justiça Eleitoral, que tem se mostrado extremamente importantes para a mitigação do fenômeno da desinformação. Além disso, as plataformas têm desenvolvido e aperfeiçoado suas políticas relativas ao combate à desinformação, à integridade da plataforma e às eleições, com a implementação de diversos recursos que vão desde a aposição de selo com a identificação de conteúdo potencialmente inverídico à efetiva suspensão de perfis, páginas e conteúdos que possam representar uma violação a essas políticas.

Mesmo diante desses esforços, há situações em que a intervenção do Poder Judiciário é imprescindível, para valorar e interpretar se determinado conteúdo ou comportamento é ilícito ou ilegal. E daí decorrer a regra hoje prevalente de que as plataformas somente respondem por danos causados pelo conteúdo gerado pelos seus usuários se não derem cumprimento a ordem judicial que determine a sua remoção.

Agência Javali – Além das fake news, as redes sociais, principalmente, levantaram questões sobre a monetização digital durante as eleições. Como isso funciona?

André Giacchetta – Esse é um tema bastante recente e que ainda não há decisões consistentes da Justiça Eleitoral sobre a possibilidade ou não de monetização de conteúdo político ou mais especificamente de conteúdo eleitoral, mas apenas de forma esporádica e casuística. Independentemente disso, penso não haver, a priori, vedação à monetização de conteúdo político dentro das plataformas de internet, desde que a sua contratação não tenha por finalidade o financiamento de campanhas eleitorais em desacordo com as regras vigentes.

De outra forma, a inexistência de previsão específica não impede a monetização de conteúdo político, mas, se ocorrer, deverá obedecer especialmente às disposições relativas ao financiamento eleitoral.

Agência Javali – Quando falamos de eleições e tecnologia e informação, uma das preocupações que surgem é justamente sobre os dados pessoais. Em 2016, nos Estados Unidos, por exemplo, dados pessoais foram utilizados para influenciar eleitores. No Brasil, há legislações que podem proteger o cidadão no contexto eleitoral? Como isso ocorre?  

André Giacchetta – A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº. 13.709/2018) trouxe um avanço significativo para a proteção dos nossos dados pessoais, inclusive no âmbito eleitoral, dada a habitualidade do seu uso de maneira inconsistente e sem conhecimento dos seus titulares.

Como uma evolução da LGPD, as resoluções do TSE que vigorarão para as eleições de 2022 trazem disposições específicas sobre a proteção dos dados pessoais dos eleitorais, como, por exemplo, a possibilidade dos candidatos, partidos e coligações utilizarem apenas a base de dados pessoais daqueles que assim concordarem.

Agência Javali – Para os profissionais do Direito que atuam com Direito Eleitoral e Digital, durante o período eleitoral, com a utilização de redes sociais, como material de comunicação e divulgação política, quais são as principais demandas?

André Giacchetta – Sem dúvida alguma o campo da propaganda eleitoral na internet é o que tem maior impacto nessa junção do Direito Digital e do Direito Eleitoral. É interessante notar que esses ramos do direito se autoalimentam constantemente. Vide, por exemplo, a regra hoje existente do artigo 19 do Marco Civil da Internet, promulgado em 2014, sobre remoção de conteúdo e responsabilização após ordem judicial, que sofreu influência do Direito Eleitoral, quando estabeleceu, ainda em 2009, o mesmo princípio de responsabilização. Mais recentemente, as resoluções do TSE, a partir de 2014, com a entrada em vigor do Marco Civil da Internet, passaram a prever disposições equivalentes a vários temas importantes, como o critério de responsabilização, os requisitos para a quebra do sigilo de usuários das plataformas, a possibilidade de manifestação do cidadão comum e a interferência mínima da Justiça Eleitoral

Agência Javali – Todo esse processo também trouxe novas demandas à área de Direito Digital? Quais?

André Giacchetta – Claramente todo esse novo processo de comunicação social impactou o Direito Digital, impulsionando a reflexão a respeito do papel do Direito nessas relações contemporâneas, onde o indivíduo ganhou uma audiência amplificada, nunca imaginada com o advento da internet, criando um ecossistema muito particular e inovador. O crescimento do uso da inteligência artificial sem dúvida alguma impacta as discussões sobre os limites das manifestações espontâneas ou artificiais, das condutas coordenadas de usuários, de forma orgânica ou manipulada.

Essas demandas estão hoje em pleno andamento, com o início de uma tentativa de regulação e interpretação condizente com a Constituição Federal, para que se possa equilibrar a inovação, mas se preservem os direitos e liberdades individuais, especialmente quando falamos do livre exercício do voto popular.

Agência Javali – Na sua opinião, considerando o Direito Digital, Eleitoral, as novas tecnologias e plataformas, quais são os maiores desafios para os advogados durante o período de eleições?

André Giacchetta – Atualmente, o advogado que desejar atuar em questões relacionadas a tecnologia não pode se contentar em conhecer as regras jurídicas, mas deve, antes de tudo, se dedicar e se aprimorar no conhecimento e estudos de fenômenos sociais, de comunicação e propaganda, assim como compreender, tecnicamente, os mecanismos e ferramentas que são diariamente criadas e ofertadas pelas plataformas.

Tudo isso para que seja possível buscar soluções justas, não apenas sob a perspectiva da lei, contudo com o olhar da inovação e do desenvolvimento da sociedade moderna.

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