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Mariana Chacur

Proteção de obras publicitárias dentro do Metaverso

Por

26 de julho de 2022

Advogada especializada em Propriedade Intelectual, sócia da Baril Advogados, Mediadora e Especialista em disputas de nomes de domínio pela CSD-ABPI, além de atuar também como Mediadora Judicial pelo CEJUSC. Atua, ainda, como voluntária na UEB – União dos Escoteiros do Brasil. É membro da Comissão de Assuntos Culturais – Eixo Moda, da OAB Paraná desde 2018, e da Comissão de Mediação desde 2022, tendo proferido palestras sobre Propriedade Intelectual e Fashion Law em eventos especializados.

Agência Javali – Ainda existem muitas dúvidas sobre a aplicação da legislação dentro do Metaverso, como, por exemplo, a proteção de obras publicitárias – contemplada pela Lei de Direitos Autorais (LDA). Como essa lei funcionará no Metaverso?

Mariana Chacur – A ideia do Metaverso, apesar de estar no centro das discussões atuais, não é exatamente nova. Podemos citar outras experiências como o próprio Second Life no início dos anos 2000.

De qualquer forma, em que pese os diplomas legais vigentes como a Lei de Direitos Autorais não tenham sido concebidos direcionando de forma expressa esse tipo de tecnologia, não há, a priori, barreiras jurídicas para a aplicação de suas disposições.

Isto é, a própria Lei de Direitos Autorais, em seu art. 7º, dispõe sobre a fixação de obras em qualquer suporte, inclusive aqueles que ainda venham a ser inventados. Se no ambiente do Metaverso tivermos uma ilustração estampando skins comercializadas por empresas ou até mesmo estampando paredes de espaços disponibilizados para visitação dos usuários por meio de seus avatares e não tiver sido obtida a devida autorização do titular de dita estampa para exploração dos direitos autorais, sem dúvida estará configurada a infração.

Podemos ter como exemplo, ainda, os shows que estão se tornando mais comuns dentro do Metaverso. A mudança de lugar do palco físico para o palco virtual não afastará os direitos dos artistas intérpretes. Se se trata de uma reprodução ou representação de uma obra já existente, a autorização é necessária também para a utilização no Metaverso.

Agência Javali – No contexto da LDA, e considerando o ambiente digital e os diversos formatos de conteúdo utilizados atualmente, haverá distinção no tratamento de textos, fotos, desenhos, músicas etc. como obras publicitárias no Metaverso?

Mariana Chacur – Sim, inclusive já existem empresas investindo na produção de conteúdo publicitário no Metaverso. Um exemplo é a Nike, que criou um ambiente de interação social dentro do game Roblox chamado NIKELAND. Além do viés social, neste ambiente os jogadores também podem comprar skins para os seus avatares, como tênis, bonés e camisetas (todos baseados em modelos reais da Nike).

Cumpre ressaltar que essa integração não se restringe apenas ao ramo de vestuário, mas pode ser amplamente explorado por empresas nos mais diversos segmentos.

Nosso escritório, inclusive, tem assessorado clientes que já estão se movimentando para levar seus produtos para o Metaverso. Muito em breve teremos vários lançamentos de imóveis com apartamentos lindamente decorados com móveis de design e obras de arte em que os avatares poderão experienciar o produto adentrando à obra publicitária.

A utilização do Metaverso para veiculação de obras publicitárias já é uma realidade, no entanto, é essencial nos mantermos atentos para garantir a proteção dos direitos patrimoniais dos respectivos titulares neste ambiente virtual.

Agência Javali – Nesse sentido, uma peça publicitária concebida para ser veiculada na televisão e na internet, poderá ser divulgada dentro do Metaverso? Existe alguma implicação? Qual?

Mariana Chacur – Sim, desde que sua veiculação no Metaverso esteja expressamente prevista no contrato de cessão de direitos autorais firmado com o autor.

Ocorre que, conforme disposto no art. 4º da LDA, os negócios jurídicos sobre direitos autorais devem ser interpretados restritivamente, ou seja, as modalidades de uso da obra devem constar de forma clara e inequívoca no contrato firmado entre o autor (titular originário) e a empresa (titular derivado).

Assim sendo, companhias que pretendam divulgar peças publicitárias no Metaverso devem incluir essa modalidade de uso dentre as demais (como televisão, internet, etc.), posto que, ao veicular a obra sem autorização expressa do autor, a empresa em questão estaria incorrendo em violações de direitos autorais.

Agência Javali – As obras publicitárias, dentro do Metaverso, também possuem seus direitos morais e patrimoniais protegidos? De que forma?

Mariana Chacur – Perfeitamente. Também no Metaverso o autor, ou autores, da obra ainda terá seus direitos reconhecidos e resguardados. Considerando a multiplicidade de elementos que podem compor uma obra publicitária (os jingles e o roteiro, por exemplo), os direitos morais e patrimoniais dos seus respectivos titulares permanecem sob a tutela da Lei de Direitos Autorais.

As implicações e novos desafios aqui podem estar relacionadas muito menos com a configuração da infração per se, e muito mais com a comprovação e a vigilância. Talvez o que tenhamos que pensar aqui é: como serão realizados alguns tipos de perícia no Metaverso?

Agência Javali – Como a transferência de direitos patrimoniais, ou seja, aqueles que podem ser repassados a outras pessoas, será viabilizada neste universo digital?

Mariana Chacur – Creio que de forma semelhante à que ocorre atualmente, com a maior diferença incidindo sobre o formato do instrumento contratual ao invés do conteúdo.

Por se tratar de um universo virtual, acessado por pessoas do mundo inteiro e atualmente com inúmeras e eficazes ferramentas tecnológicas, é possível vislumbrar a formalização destes instrumentos por meio de contratos eletrônicos, especialmente os Smart Contracts.

Por serem autoexecutáveis e bastante seguros, os Smart Contracts não apenas facilitam a formalização, como também o cumprimento do contrato, principalmente no que diz respeito à identificação e ao pagamento de royalties ao autor da obra.

Quem tem um pouco mais de experiência na área sabe o quão difícil era descobrir determinados autores de obras fonográficas em um passado não muito distante, o que foi resolvido pelo Youtube utilizando ferramentas de busca e de dados. Nessa esteira, os Smart Contracts prometem ser ainda mais eficazes em relação à rastreabilidade dos detentores de direitos morais e patrimoniais.

Agência Javali – Já em relação aos direitos morais, o que os autores podem esperar? Como a lei será aplicada dentro do Metaverso?

Mariana Chacur – Na prática, é possível imaginar a ocorrência de violações de direitos morais no Metaverso. Basta, por exemplo, utilizar uma foto e não informar o autor desta, assim como no nosso mundo físico.

Nesse sentido, no que diz respeito à incidência da Lei de Direitos Autorais, as disposições sobre direitos morais que devem ser observadas no âmbito do Metaverso são as mesmas que incidem em qualquer outro contexto.

Um outro exemplo é imaginar, a modificação não autorizada de uma criação de terceiro para uso no Metaverso. Ainda que um indivíduo alegue que tal modificação seja necessária para a veiculação da obra nesse ambiente, esta conduta, o que costuma ser padrão, se não autorizada, constitui violação de direitos morais de autor.

Assim, considerando o princípio da inafastabilidade da jurisdição, é certo que o autor que está sujeito à aplicação da lei brasileira e que tenha os seus direitos morais violados no contexto do Metaverso pode sim exigir a cessão desses atos e até mesmo a reparação pelos danos morais.

Agência Javali – De modo geral, quais serão as principais demandas envolvendo Direito Autoral e Propriedade Intelectual no Metaverso?

Mariana Chacur – É uma tarefa difícil determinar quais serão os principais desafios daqui para frente. A intensidade com a qual o Metaverso está sendo acessado ainda é uma experiência relativamente recente, bem como sua popularização, sendo necessário gerar mais indicadores ao longo do tempo.

Mas é justamente a partir desse acesso massivo (veja o Roblox, que em 2021 alcançou o marco de cerca de 50 milhões de usuários ativos diariamente), que os desafios tendem a surgir.

É interessante lembrar que talvez um dos pontos mais atrativos do Metaverso é a valorização da criação pela comunidade, de uma criação colaborativa desses espaços virtuais. Nesse sentido, imagino que o Metaverso tenderá a oportunizar a criação de conteúdo pelo usuário (User Generated Content – UGC) o que, por consequência, faz com que tenhamos uma multiplicidade de autores investidos em um mesmo projeto.

Assim, os usuários passam a desenvolver cenários, skins e outros acessórios para serem ativados e explorados nessas plataformas, inclusive para fins de exploração econômica e, dessa forma, sendo-lhes garantido os direitos advindos dessas criações, lembrando que se forem obras derivadas de outra já existente, mesmo fora do ambiente do Metaverso, a autorização do autor da obra derivada será necessária.

Outro ponto interessante aqui é que na medida em que esses conteúdos são concebidos para serem explorados em plataformas específicas, detidas, portanto, por empresas determinadas, é necessário que o usuário avalie os Termos de Uso e aspectos como licenciamento do uso dessas criações pelas plataformas, evitando surpresas.

Além disso, não somente o aspecto de direito autoral está envolvido aqui, apesar de mais evidente. Questões como os direitos relacionados às marcas, regulados pela Lei nº 9.279/96 (a Lei da Propriedade Industrial), também ganham relevância, na medida em que esses espaços também passam a ser alvo de investimentos por grandes empresas para anunciarem seus negócios em tais ambientes.

Com esse interesse crescente, o uso não autorizado de marcas por terceiros dentro do Metaverso igualmente gera preocupação, inclusive pela possibilidade de induzir os usuários em erro no que se refere à origem dos produtos ou serviços assinalados.

Nesse sentido, já temos clientes levando suas marcas de produtos a registro nas classes de softwares, visto que serão produtos virtuais. Quando você compra um hambúrguer no Metaverso para seu avatar consumir, você está comprando uma imagem contida em um software, nesse sentido, a hamburgueria passa a vender não só alimentos, mas também itens contidos em softwares.

A demanda de registros de marcas de consumo e varejo principalmente na classe 09 é crescente.

Agência Javali – Na sua opinião, as universidades brasileiras se encontram prontas, sobretudo, para ensinar questões de Propriedade intelectual e Direito autorial dentro do Metaverso? Quais são os principais desafios para os advogados e como superá-los?

Mariana Chacur – Temos conhecimento de que há universidades e grupos de pesquisa que estão se dedicando ao estudo da Propriedade Intelectual no âmbito do Metaverso. Com certeza, não é uma pauta que está passando despercebida na comunidade jurídica.

Mas, naturalmente, não podemos afirmar que exista alguém que esteja completamente preparado para lidar com essa realidade, até porque ela ainda está sendo consolidada. Há muitos desdobramentos que ainda não conseguimos prever.

O principal desafio do advogado de Propriedade Intelectual frente ao Metaverso é aperfeiçoar a busca por efetividade das medidas de proteção e defesa da Propriedade Intelectual nesse contexto.

Já há algum tempo nosso escritório passou a considerar o Metaverso no momento da análise das possibilidades de uso dos ativos de propriedade intelectual de nossos clientes, assim como já consideramos, por exemplo, a Internet e as redes sociais anos atrás.

Esse olhar abrangente deve nortear a elaboração dos contratos (sobretudo no âmbito dos Direitos Autorais, onde vigora o princípio da restritividade da interpretação dos negócios jurídicos), a classificação e especificação das marcas para registro no INPI, a seleção das medidas propostas no âmbito das notificações, entre outras atuações preventivas e combativas.

Agência Javali – Por fim, o Código de Ética da OAB, que estabelece diretrizes para a publicidade de escritórios de advocacia, é válido também dentro do Metaverso? Como fica a sua aplicação?

Mariana Chacur – As diretrizes para a publicidade advocatícia certamente devem ser seguidas no âmbito do Metaverso.

Ainda que o advogado queira estar presente no Metaverso ou até mesmo ter um escritório situado no Metaverso (e a princípio, não vemos obstáculo para isto), seguirão proibidas a captação de clientela, as promessas de resultado, a menção às qualidades da estrutura do seu escritório, a divulgação da advocacia em conjunto com outras atividades, entre outras vedações e diretrizes dispostas no Código de Ética da OAB e no Provimento n.º 205/2021 do Conselho Federal.

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