A advocacia é uma das profissões que está em evidente evolução. Mudanças tecnológicas, culturais e sociais estão transformando a forma como os advogados e advogadas prestam serviços jurídicos. Nesse contexto, o Centro de Estudos e Pesquisas em Inovação (CEPI) da Fundação Getulio Vargas (FGV) tem se destacado como uma referência na investigação das implicações da inovação tecnológica no campo jurídico e no futuro da advocacia.
Através de estudos teóricos e empíricos, o CEPI tem contribuído para a compreensão das tendências que moldam a advocacia do presente e do futuro, bem como para o desenvolvimento de competências e habilidades necessárias para os profissionais do Direito enfrentarem os desafios de uma era cada vez mais digital.
Assim, o estudo “Formando a advocacia do presente e do futuro: habilidades e perspectivas de atuação, destaques e tendências”, realizado pela instituição, por meio de 400 entrevistas, lança luz sobre a interface entre inovação, tecnologia e a prática jurídica.
Integração da tecnologia nos escritórios de advocacia
O estudo apresentado pelo CEPI aborda uma série de questões relevantes sobre a interseção entre o Direito e a tecnologia no contexto brasileiro.
A pesquisa aponta que a tecnologia está sendo amplamente incorporada em escritórios de advocacia de diferentes tamanhos e regiões do Brasil, e as ferramentas tecnológicas estão sendo utilizadas para uma variedade de finalidades, desde a gestão de processos judiciais até a pesquisa por jurisprudência.
A principal motivação para a incorporação tecnológica se dá pelo desejo de modernização das atividades desempenhadas pelo escritório, especialmente em escritórios de grande porte. Além disso, a pesquisa destaca que a pandemia da COVID-19 também teve um impacto significativo, promovendo o trabalho remoto e o uso de ferramentas de comunicação.
O estudo também identificou que novas áreas e funções estão emergindo nos escritórios de advocacia, especialmente em escritórios de médio e grande porte. Áreas como proteção de dados e marketing foram as mais criadas nos últimos cinco anos. No entanto, essa tendência foi menos pronunciada em escritórios menores.
É interessante observar que os escritórios localizados nas regiões Nordeste (62%) e Sudeste (55%) são os que mais criaram novas áreas.
Novas áreas criadas nos últimos 5 nos pelos escritórios da amostra:
Competências e habilidades essenciais
O estudo também investigou sobre as competências e habilidades essenciais de acordo com os entrevistados.
As competências jurídicas continuam sendo consideradas as mais importantes, seguidas pelas competências de gestão, socioemocionais e tecnológicas. Surpreendentemente, as competências tecnológicas foram classificadas como menos relevantes, apesar da crescente adoção de tecnologia.
Já sobre as lacunas na formação jurídica, a pesquisa aponta brechas na formação básica dos advogados, com ênfase na falta de conhecimento jurídico e atualização. Também foi observada a necessidade de competências socioemocionais e de gestão.
Nesse sentido, o estudo sugere a necessidade de estratégias de formação e treinamento para abordar essas deficiências.
Percepção do estudo sobre habilidades necessárias e escassas
Processos de contratação e expectativas para o futuro
Além de apontar para a necessidade de ajustes na formação jurídica, a pesquisa também analisa os processos de contratação nos escritórios de advocacia e destaca a importância da análise de currículo, entrevistas individuais e indicações por contatos de confiança.
Alguns fatos que demonstram preocupação entre os entrevistados no momento da contratação é a distância existente entre os ensinamentos da faculdade e a prática profissional da advocacia, além da defasagem em relação à administração de escritórios, marketing, e a falta de compreensão da advocacia enquanto negócio.
Em segundo plano, o estudo também aborda a percepção do mercado sobre advogados recém-formados, indicando que o conhecimento em tecnologia é bem avaliado, mas o conhecimento jurídico pode ser um ponto fraco.
Já em relação às expectativas para o futuro, a grande maioria dos entrevistados acredita que a tecnologia terá um grande impacto nos escritórios de advocacia nos próximos cinco anos e que isso será um critério diferencial no mercado jurídico.
Impactos da tecnologia na advocacia
Mapa de competências e habilidades para a advocacia do presente e do futuro
Nesta etapa da pesquisa, os autores exploram diferentes perspectivas sobre as habilidades e competências necessárias, incluindo conceitos como soft skills (qualidades intangíveis), hard skills (conhecimentos técnicos), competências cognitivas, instrumentais e interpessoais, entre outros.
O estudo identifica quatro eixos de competências essenciais para os profissionais da advocacia:
- Competências jurídicas: Este é o núcleo essencial, que envolve o domínio do conhecimento técnico-teórico do Direito e as habilidades relacionadas à prática jurídica. Essas competências são a base sólida sobre a qual um advogado constrói sua carreira.
- Competências de gestão: A gestão eficaz é cada vez mais importante para escritórios de advocacia. Tomar decisões estratégicas, administrar recursos e definir estratégias organizacionais são aspectos cruciais do sucesso na advocacia moderna. Isso ressalta a importância da profissionalização dos escritórios.
- Competências tecnológicas: O uso de tecnologia se tornou indispensável na prática jurídica contemporânea. Isso inclui o domínio e o uso eficaz de ferramentas e soluções tecnológicas para melhorar a eficiência e qualidade dos serviços legais.
- Competências socioemocionais: As habilidades interpessoais, emocionais, comunicacionais, éticas, culturais e comportamentais desempenham um papel crítico na advocacia. Elas são fundamentais para construir relacionamentos sólidos com os clientes e colegas, bem como para lidar com questões éticas e culturais complexas.
Detalhamento das competências segundo os eixos da análise
Os autores também mencionam vários modelos de competências para profissionais jurídicos, como o modelo I, modelo T, modelo W, modelo pirâmide, modelo Delta e modelo O, que enfatizam diferentes dimensões de habilidades.
Modelo I e Modelo T:
O Modelo I refere-se ao advogado que se especializa profundamente em uma única área do Direito. No entanto, o estudo aponta que esse modelo tem dado lugar a outros, como o Modelo T. Nesse modelo, a barra vertical do “T” representa um profundo conhecimento em uma área jurídica específica, enquanto a barra horizontal representa um conhecimento amplo, embora não tão profundo, em outras áreas, como gerenciamento de projetos e proteção de dados.
Modelo W:
Esse modelo se baseia em um estudo realizado pelo Institute for the Advancement of the American Legal System, da Universidade de Denver, nos Estados Unidos. Ele identifica características, competências profissionais e competências jurídicas esperadas de “todo advogado”. Isso inclui habilidades além das tradicionalmente jurídicas, como sociabilidade, integridade, resiliência e competências profissionais relacionadas à eficácia no trabalho e trato com outras pessoas.
Modelo Pirâmide:
Proposto pela professora Michele DeStefano, esse modelo se baseia nas habilidades desejadas pelos clientes. Ele coloca as habilidades jurídicas na base da pirâmide, seguidas por habilidades concretas, organizacionais, relacionadas à tecnologia e, no topo, habilidades relacionadas à inovação. O modelo demonstra que as habilidades de inovação são altamente valorizadas, mas também raras entre os profissionais do setor jurídico.
Modelo Delta:
Esse modelo representa diferentes dimensões de competências em um triângulo: Direito, eficácia pessoal e negócios e operações. Cada dimensão abrange diferentes habilidades, como conhecimento jurídico, habilidades pessoais de gestão e habilidades relacionadas a negócios e operações. O ponto onde essas dimensões se encontram varia de acordo com a carreira e a área de atuação do profissional.
Modelo O:
O advogado em formato de O resulta na importância de combinar competências técnicas com habilidades humanas, especialmente aquelas relacionadas à inteligência emocional. Esse modelo enfatiza habilidades como abertura para assumir riscos, busca por oportunidades, criatividade na resolução de problemas, consciência, domínio e responsabilidade pelo trabalho, e colaboração com clientes.
O debate sobre o futuro da advocacia
Um ponto notável da pesquisa foi a constatação de que as competências de gestão ganharam destaque, indicando uma crescente profissionalização dos escritórios de advocacia.
Isso tem implicações diretas no marketing jurídico, uma vez que a gestão eficaz é essencial para criar estratégias de marketing bem-sucedidas e garantir a entrega de serviços de qualidade aos clientes.
Outro aspecto importante que emergiu da pesquisa foi a necessidade de as instituições de ensino jurídico prepararem os futuros advogados com competências adequadas a esse novo cenário.
Os respondentes da pesquisa destacaram que muitos advogados, embora bem qualificados em competências jurídicas tradicionais, frequentemente carecem de habilidades em outros domínios, como gestão e tecnologia. Portanto, a formação jurídica precisa se adaptar para fornecer uma base mais ampla de habilidades.
As competências socioemocionais, por exemplo, desempenham um papel fundamental na construção da confiança do cliente e na manutenção de uma reputação positiva, fatores determinantes no momento de consolidar um escritório líder no mercado jurídico.